Search
Close this search box.

Se aprovada na Câmara, Lei do Mandante pode reinstalar caos jurídico no futebol brasileiro

As discussões sobre os direitos de transmissão de uma partida de futebol no Brasil voltaram com tudo nos últimos dias. Isso por que a Câmara dos Deputados deve votar ainda nesta semana o Projeto de Lei nº 2336/2021, também conhecido como Lei do Mandante, que mexe nesse modelo de negócio.

O texto da nova legislação garante ao clube mandante o direito de negociar a transmissão da partida, não havendo necessidade de ter contrato com a mesma emissora da equipe visitante, conforme obriga a legislação que está em vigor, seguindo a Lei Pelé (Lei 9.615).

No entanto, assim como aconteceu durante a vigência da MP 984 no ano passado, os impactos do texto serão sentidos imediatamente, uma vez que contratos já foram celebrados, causando grande insegurança e disputa jurídica.

Esse é o principal ponto de discussão entre os deputados e clubes antes de o PL ser colocado em votação. A Globo, principal detentora dos direitos de transmissão do futebol brasileiro, possui contratos referentes ao Campeonato Brasileiro até 2024 e defende que a nova legislação passe a valer apenas a partir de 2025, respeitando os acordos já celebrados.

O advogado Maurício Corrêa da Veiga concorda com esse argumento, destacando o “respeito ao Ato Jurídico Perfeito”.

“Assim que o PL 2336 for aprovado, os seus efeitos serão imediatos (salvo eventual disposição em contrário no próprio texto legal). Todavia, os contratos que firmados sob a égide da lei anterior continuam vigentes em razão do princípio constitucional do respeito ao Ato Jurídico Perfeito e não podem ter sua validade questionada em razão de edição de lei posterior. Tal qual ocorreu recentemente em Portugal”, afirma o advogado especializado em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

Seguindo essa linha, o advogado Tiago Gomes, especialista em direito comercial, ressalta que a “Constituição Federal estabelece que a lei não prejudicará o direito adquirido e o ato jurídico perfeito” e que, portanto, “ao menos em tese, pode-se falar que contratos celebrados e atualmente em vigor geram direitos às partes”.

A alegação utilizada pela emissora foi classificada como “emenda Globo” e reúne apoio de alguns parlamentares que enxergam nela a possibilidade de se alcançar uma maior segurança jurídica.

“Sob uma perspectiva de segurança jurídica, me parece não haver dúvidas que o melhor caminho para qualquer alteração da legislação será respeitar os contratos anteriormente celebrados, inclusive para que não se possa questionar sua constitucionalidade”, avalia Tiago Gomes.

De acordo com a informação revelada pelo ‘UOL Esportes’, representantes de clubes das Séries A e B do Brasileirão estiveram em Brasília na manhã desta terça-feira (13) para se reunir com o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), em audiência com o deputado Fred Costa (Patriota-MG).

A principal intenção do encontro foi de pressionar para que a votação da Lei do Mandante não inclua a “emenda Globo”, que visa justamente emplacar na lei um mecanismo que adie os efeitos das novas regras dos direitos de transmissão do futebol brasileiro apenas para os próximos contratos com os clubes, a partir de 2025, mantendo a validade dos contratos já realizados. Essa discussão levou a uma verdadeira batalha judicial entre Athletico-PR e a Globo no ano passado.

Na ocasião, o Furacão se aproveitou da Medida Provisória 984 e criou seu próprio pay-per-view para transmitir suas partidas. A Globo decidiu entrar com um processo e obteve duas liminares que impediam a exibição. No entanto, o clube conseguiu reverter as decisões.

Após a MP do Mandante caducar e perder a validade, em outubro, o Athletico anunciou a venda dos direitos para a empresa ‘Livemode’ para serviço de pay-per-view. A Globo não gostou do que viu e acusou o clube de má-fé por fechar contrato com uma empresa de forma escondida.

O Athletico conseguiu liminar que autorizava o clube a exibir as partidas em sistema fechado diretamente. A alegação era de que o contrato foi fechado com a legislação vigente naquele momento e que, portanto, tudo estava dentro do permitido. Por outro lado, a emissora entendeu que acordos jurídicos celebrados anteriormente foram quebrados.

Em dezembro do ano passado, a Globo chegou a conseguir uma liminar que impedia o Athletico de exibir as partidas, mas, no mesmo mês, o clube conseguiu derrubar essa liminar.

Caso a Lei do Mandante seja aprovada sem a “emenda Globo”, a tendência é de que se instale um caos jurídico, com uma chuva de ações nos tribunais. Um dos beneficiários com o texto seria a ‘TNT Sports’, dona dos direitos de sete clubes – Palmeiras, Santos, Athletico-PR, Bahia, Fortaleza, Ceará e Juventudes – na TV fechada, que poderia escolher qualquer partida em que uma dessas equipes fosse o mandante para realizar a transmissão, garantindo a exibição de uma maior quantidade de jogos do que estava previsto inicialmente.

“Há um aspecto de direito contratual que pode afetar todas as partes envolvidas. Sob o enquadramento jurídico atual, o planejamento econômico de quem vendeu e comprou esses direitos de transmissão dizia respeito a uma quantidade determinada de partidas, que poderia ser maior ou menor do que o número de partidas em que uma determinada equipe será mandante no campeonato. Uma lei posterior que altere a quantidade de partidas que poderá ser transmitida poderia, novamente ao menos em tese, tornar esse contrato excessivamente oneroso, para quem se obrigou a pagar por uma quantidade maior de jogos, ou para quem combinou vender uma quantidade menor de jogos. Como há contratos de execução continuada no tempo, no direito civil isso ensejaria desde a possibilidade de revisão contratual, até mesmo a sua resolução pela via judicial”, analisa Tiago Gomes.

Porém, o advogado explica que “o problema litígios dessa natureza é que, além de lentos e custosos, são de resultado incerto. Isso é muito ruim para quem faz negócios no mercado do esporte”.

Esse ponto também foi alvo de judicialização no ano passado, após a Globo acionar a Justiça para impedir que Turner transmitisse as partidas do Campeonato Brasileiro dos times de futebol com os quais possui contratos de exclusividade de transmissão para todas as plataformas.

Por fim, o advogado Maurício Corrêa da Veiga ressalta um importante dado:“88% dos organizadores de competições negociam seus acordos de direitos de TV de forma coletiva, ou seja, o Brasil faz parte dos 12% que negociam de forma individual”.

Exposto isso, a única certeza que fica é de que o tema ainda trará muita discussão.

Crédito imagem: Reprodução

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo

Nossa seleção de especialistas prepara você para o mercado de trabalho: pós-graduação CERS/Lei em Campo de Direito Desportivo. Inscreva-se!

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.