O Ministério da Economia publicou a proposta de decreto para regulamentar as apostas esportivas no Brasil. Mas o fato de a primeira minuta não incluir mecanismos de proteção contra a manipulação de resultados preocupa especialistas ouvidos pelo Lei em Campo.
“Fiz três buscas no projeto com expressões básicas: ‘integridade’, ‘match-fixing’ e ‘manipulação’. E não encontrei nada. Se a regulação não contemplar obrigatoriedade de implementação de projetos de integridade pelas entidades organizadoras das competições e clubes, além de monitoramento de partidas por empresas especializadas, estaremos vulneráveis a crimes previstos no estatuto do torcedor como manipulações em apostas, fraudes em resultados e lavagem de dinheiro”, disparou Paulo Schmitt, que é coordenador da Comissão de Integridade da Federação Paulista de Futebol.
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O caso mais famoso de manipulação de resultados no Brasil aconteceu em 2005, quando 11 jogos do Campeonato Brasileiro que tiveram o árbitro Edilson Pereira de Carvalho foram anulados após a revelação do escândalo. O ex-árbitro confessou ter participado de um esquema de manipulação de resultados do torneio para favorecer apostadores na internet.
“Fiquei surpreso com a falta desse assunto na regulação. Ainda não recebemos consulta na nossa comissão de integridade na FPF. Mas vou pautar o tema para a nossa reunião na próxima semana para que possamos minimamente dar suporte ao presidente da federação na apresentação de algumas propostas de emenda. Monitoramento de partidas e programas educacionais obrigatoriamente [têm que estar no decreto]”, analisou Schmitt.
No ano de 2016, novo caso abalou o futebol. A Polícia Civil de São Paulo prendeu nove suspeitos de terem participado de um esquema de manipulação de resultados nas Séries A2 e A3 do Paulista, além de divisões inferiores do Norte e do Nordeste.
Entre os fatores que tornam o Brasil atrativo para a manipulação de resultados, segundo Schmitt, estão o grande número de jogos, um mercado de apostas não regulado, com poder público pouco interessado, baixos salários pagos à maior parte dos atletas, mecanismos de combate, prevenção e controle insuficientes, e baixo aporte em programas de integridade.
O governo federal já abriu uma nova consulta pública (no site www.economia.gov.br) para colher as contribuições do mercado para o aperfeiçoamento do decreto. O prazo para o envio de sugestões é até o dia 27 deste mês.
“Foi uma minuta constituída com os players. Ou os clubes não foram ouvidas ou não foram atendidas. Tem uma proteção frágil ao conteúdo esportivo. Se falamos de apostas esportivas, tem que ter uma proteção maior à integridade do sistema. Me parece muito tímido. Não tem a previsão de reclusão para caso de ato ilícito. Não temos nada observando a fraude. Fiscalizar o mercado vai ser muito difícil. Uma questão receosa. É preciso regulamentar melhor como seria essa fiscalização”, analisa Luiz Marcondes, presidente do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo.
Um estudo feito pela KPMG para o Ministério da Economia indicou a possibilidade de arrecadar cerca de R$ 4 bilhões em tributos.
Um dos maiores especialistas no assunto no país, o advogado Pedro Trengrouse, professor da FGV e especialista em regulação do jogo pela Universidade de Nevada, nos Estados Unidos, diz que pretende propor emendas ao decreto na próxima semana.
“A grande questão é que, se esse decreto não vier acompanhado de uma MP revogando o parágrafo 2º do artigo 42 da Lei Pelé, o prejuízo dos clubes pode ser de quase R$ 1 bilhão. É que, nesse contexto da regulamentação das apostas esportivas no Brasil, é fundamental suprimir integralmente o parágrafo 2º do artigo 42 da Lei 9.615/98, cuja redação atual é uma afronta ao princípio constitucional da livre-iniciativa, conflita com o direito de entidades esportivas serem plenamente remuneradas pela utilização da suas imagens e conteúdos, inviabilizando expressamente a comercialização dos chamados ‘highlights’ e ‘betting rights’, que rendem aos clubes quase R$ 1 bilhão por ano na Inglaterra, Espanha, Itália e França”, esclarece Trengrouse.
Aprovado em dezembro de 2018 como um dos últimos atos do então presidente Michel Temer (MDB), o funcionamento das casas de apostas no Brasil deverá começar apenas no segundo semestre de 2020. Na primeira consulta pública, o Ministério da Economia recebeu mais de 1,8 mil sugestões. Depois que a consulta chegar ao fim, no dia 27 de setembro, o texto deve seguir para assinatura do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). Após seis meses a partir da publicação do decreto, as bancas podem começar a operar.
“O que achei positivo é a exploração livre, não vai haver a concessão do governo. O que poderia atrapalhar o mercado e viciar o sistema. Uma instituição governamental dar a concessão poderia ser ruim. A tributação será de acordo com o faturamento da empresa”, finalizou Marcondes.