INTRODUÇÃO
Um acordo histórico de US$ 375 milhões entre o UFC e seus ex-atletas foi aprovado, pondo fim a uma batalha jurídica de dez anos sobre a remuneração dos lutadores. O caso Le v. Zuffa[1] foi centrado em alegações de que o UFC, como a promoção dominante nas artes marciais mistas (MMA), suprimiu os salários dos lutadores entre 2010 e 2017. O acordo, que foi finalizado na terça-feira passada, sinaliza um momento importante para os lutadores, que há muito tempo buscavam restituição.
A ação judicial, inicialmente apresentada em 2014, trazia a alegação de que o UFC usou seu poder de mercado para criar condições contratuais injustas, mantendo os salários dos lutadores artificialmente baixos.
Se a promoção não tivesse chegado a um acordo, ela enfrentaria uma data de julgamento em fevereiro de 2025, com a possibilidade de passivos que chegariam à casa dos bilhões de dólares.
No início deste ano, os dois lados haviam concordado com um acordo de US$ 335 milhões em março[2], mas o juiz Richard Franklin Boulware II rejeitou a proposta em junho[3], considerando-a muito favorável ao UFC. O novo acordo, de US$ 375 milhões, apresentado em setembro, foi concebido para atender às suas preocupações. A aprovação do juiz Boulware na terça-feira agora abre caminho para os pagamentos aos lutadores envolvidos no caso.
O UFC divulgou uma declaração reconhecendo o acordo, afirmando: “A decisão de hoje é uma notícia bem-vinda para ambas as partes. Estamos satisfeitos por estarmos mais um passo mais perto de encerrar o caso Le”[4]. A promoção, de propriedade da TKO Group Holdings, está envolvida em uma briga judicial há anos, pois ex-atletas buscaram indenização pelo que descreveram como supressão injusta de salários durante seu tempo no UFC.
A HISTÓRIA DA AÇÃO
A TKO Operating Company, que adquiriu a ZUFFA, a antiga empresa controladora do UFC, se tornou parte de várias ações coletivas semelhantes movidas contra ela por ex-atletas do UFC, que alegavam violações da Seção 2 da Lei Sherman.[5] Cinco dessas ações coletivas relacionadas, ajuizadas entre dezembro de 2014 e março de 2015, foram consolidadas em uma única ação em junho de 2015, intitulada Le et al. v. Zuffa, LLC, nº 2:15-cv-1045-RFB-BNW (D. Nev.) (o caso “Le”).
Em 26 de setembro de 2024, a TKO chegou a um acordo com os autores da ação para resolver todas as reivindicações feitas no caso Le por um valor agregado de US$ 375 milhões, a ser pago em parcelas durante um período de tempo acordado pela empresa e suas subsidiárias (o “Acordo de liquidação atualizado”), após a negação do tribunal do acordo de liquidação proposto anteriormente. A Companhia prevê que o valor do acordo será dedutível para fins fiscais.
O juiz Boulware acreditou que o valor de US$ 375 milhões era um valor justo para o acordo, citando as inúmeras declarações dos lutadores em apoio ao acordo como “comoventes” e um fator significativo para a concessão da aprovação preliminar.
Os advogados dos autores do processo Le v. Zuffa apresentaram mais de 100 declarações de lutadores em apoio à proposta de acordo da ação antitruste do UFC. A maioria dessas declarações veio de lutadores que estão em um estado muito vulnerável no momento.
Os lutadores aposentados do UFC, que estão fisicamente debilitados e se preocupam mais em pagar contas médicas constantes, foram esquecidos pelo público em geral e por seus próprios colegas.
Porém, parece que algumas lendas do UFC são as menos preocupadas com a situação de seus colegas atletas. Afinal de contas, é o negócio da luta.
Também parece que a atitude dos principais lutadores do UFC que ganharam mais dinheiro – e que receberiam muito mais da empresa se o processo tivesse um julgamento favorável aos atletas ao final – não é de uma satisfação estrondosa quando se trata de seu pagamento nesse acordo antitruste.
COMO FICA A AÇÃO JOHNSON?
Embora esse caso tenha chegado à sua conclusão, o UFC ainda enfrenta outros desafios legais contínuos. Um processo separado, liderado pelo ex-lutador do UFC Kajan Johnson[6], está em andamento, visando questões de compensação para lutadores que competiram depois de 2017.
Os membros da classe desse processo abrangem cerca de 1.200 lutadores que competiram no UFC de julho de 2017 em diante e não fazem parte do acordo reformulado. Johnson v. Zuffa prosseguirá com a discovery[7] para um possível julgamento.
Ainda há oportunidade para os membros da classe Johnson, incluindo centenas de lutadores cobertos pelo acordo em Le, buscarem indenizações adicionais e, o que é crucial, medidas cautelares à medida que o caso avança, que sejam capazes de alterar sua relação contratual.
Nenhuma data de julgamento foi definida para esse caso, e o UFC já entrou com uma moção para rejeitar a ação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A audiência sobre a aprovação final do acordo em Le v Zuffa está agendada para 6 de fevereiro de 2025.
A única questão legal de longo prazo que permanece é o tipo de luta que o caso Johnson apresenta e quanto tempo ele dura ráno sistema judicial. O UFC, ou melhor, seus acionistas, pagaram um preço para manter seu registro de julgamento “invicto” no sistema jurídico.
Os lutadores não podem reivindicar uma vitória até que algum dinheiro entre em suas contas bancárias e melhore suas vidas. As questões contratuais discutidas na Johnson podem alterar a forma como o UFC, e o mundo da luta, trata seus atletas, uma vez que o modelo contratual do UFC baseia outros eventos de luta, não se limitando apenas ao MMA.
Embora o resultado da Le tenha repercussão apenas financeira, ele aponta para o fato de que a Johnson, que visa uma real mudança na relação atleta x evento, tenha uma chance de causar impacto no mundo da luta, já que o juízo afirmou que o evento teria mesmo incorrido nas práticas pelas quais foi acusado, que serão rediscutidas na Johnson.
O UFC pode ter saído desse round com um empate, mas tudo indica que ainda estamos no meio da luta, e os adversários da promoção, os atletas, como faziam em seus tempos áureos de competição, parecem em reais condições de nocauteá-lo.
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[1] Cung Le, et al. v. Zuffa, LLC d/b/a Ultimate Fighting Championship and UFC, No. 2:15-cv-01045-RFB-BNW (D. Nev.).
[2] COSTA, Elthon José Gusmão da. Comentários sobre o acordo no processo dos atletas x UFC. Migalhas, Brasil, 11 jun. 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/409011/comentarios-sobre-o-acordo-no-processo-dos-atletas-x-ufc. Acesso em: 27 out. 2024.
[3] COSTA, Elthon José Gusmão da. Controvérsia! Juízo nega homologação do acordo no processo antitruste contra o UFC. Lei em Campo, Brasil, 24 jun. 2024. Disponível em: https://leiemcampo.com.br/controversia-juizo-nega-homologacao-do-acordo-no-processo-antitruste-contra-o-ufc/. Acesso em: 27 out. 2024.
[4] https://www.sec.gov/ix?doc=/Archives/edgar/data/0001973266/000119312524226530/d860510d8k.htm.
[5] COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2023. p. 109-112.
[6] Kajan Johnson, et al. v. Zuffa, LLC, et al., No. 2:21-cv-01189 (D. Nev.).
[7] Discovery é o termo utilizado no processo civil estadunidense a fim de designar os instrumentos processuais à disposição dos litigantes para a produção da prova antes da audiência de instrução e julgamento, consubstanciados, essencialmente, na exibição de documento, no interrogatório escrito e na deposition. YARSHELL, Flávio Luiz et al, (coord.). Arbitragem no Brasil e no direito comparado: reflexões sobre direito empresarial, societário, consumidor, internacional e novas tecnologias. 1ª. ed. São Paulo: Almedina, 2023, p. 173.