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Vínculo empregatício nos esportes eletrônicos

Para determinar qual seria o assunto do primeiro artigo do ano aqui no eSports Legal, realizei uma enquete no twitter @goodgameniko. Por 74.3% dos votos, será sobre o Processo que o jogador Carlos “Nappon” Rücker moveu em face da Pain Gaming, ficando a publicação do artigo sobre a PL que regula os eSports no estado de São Paulo, vetado pelo Dória, para a próxima oportunidade.

Caso Nappon – Introdução

Carlos “Nappon” Rücker foi contratado na função de “Jogador de Esporte Eletrônico” pelo clube de esporte eletrônico Pain Gaming em 15.05.2018. Quando da contratação, o jogador residia no estado da Bahia, razão pela qual fazia parte do contrato a subsidiar as despesas de moradia e alimentação de Nappon em São Paulo.

Ocorre que a equipe o afastou de suas atividades em outubro de 2018.

Ao afastar o jogador de suas atividades o clube determinou que ele deveria sair da Gaming House, local onde morava e trabalhava e, a partir de dezembro de 2018, deixou de pagar seus salários. Tudo isso sem rescindir o contrato, que garantia ao clube o direito de negociar o jogador.

Após ser afastado da Gaming House, o jogador teve que locar, às próprias custas – e sem receber salário –, novo local de moradia.

Notificação Extrajudicial

Insatisfeito com a situação, em 17.04.2019, o jogador enviou à Pain Gaming uma notificação extrajudicial, demonstrando algumas das inadimplências do clube:

– Pagamento da contraprestação salarial de 12/2018 até 03/2019

– Não realizou o pagamento previsto em instrumento particular de cessão de direito de imagem de 12/2018 até 03/2019

– Deixou de proceder a anotação em carteira (CTPS) do Notificante e a reteve de forma ilegal;

– Não procedeu aos recolhimentos fundiários;

– Não promoveu aos recolhimentos previdenciários;

– Não pagou o décimo terceiro salário proporcional;

– Não pagou férias proporcionais;

– Deixou de subsidiar as despesas relativas à moradia e alimentação;

Diante das inadimplências, requereu o seguinte:

– Formalização da rescisão do contrato de trabalho do Notificante, com anotação e baixa na CTPS, bem como expedição do TRCT e guia de seguro desemprego;

– Revogação expressa do direito de uso de imagem;

– O pagamento das verbas rescisórias, no valor total de R$ 9.528,78;

– O pagamento das despesas com aluguel e alimentação referente aos meses de 10/2018 a 04/2019, no valor total de R$ 18.200,00;

– O pagamento da multa contratual (5x o valor do salário), no valor total de R$ 16.948,42;

– O pagamento referente à cessão do direito de uso de imagem, no valor total de R$ 44.017,20;

O jogador deu o prazo de cinco dias para o clube atender os pedidos da notificação judicial.

Processo Judicial

Diante da inércia da Pain Gaming quanto à notificação extrajudicial, foi proposta a reclamação trabalhista.

As reinvindicações foram as mesmas da notificação extrajudicial, só não estava presente na reclamação trabalhista o pedido para que fossem pagos os valores referentes a cessão do direito de uso de imagem.

Foi dada especial atenção ao pedido de reconhecimento do vínculo empregatício e anotação na Carteira de Trabalho.

Após proposta a ação, a Pain Gaming foi devidamente citada, apresentou contestação e foi designada audiência de conciliação.

Acordo

O processo judicial foi extinto através de acordo feito em audiência de conciliação.

O contrato de trabalho foi oficialmente rescindido em 17/04/2019.

O jogador Carlos “Nappon” Rücker se comprometeu a devolver alguns equipamentos do clube que estavam em seu poder.

O clube Pain Gaming se comprometeu a realizar a anotação em carteira de trabalho, o pagamento de R$ 60.000,00, dos quais 53.250,00 foram considerados de natureza indenizatória.

Apesar de não fazerem parte da ação, os valores devidos em razão do contrato de cessão direitos de imagem fizeram parte do acordo, ficando eles quitados. É desconhecido por este autor se houve algum pagamento a este título.

Análise e comentários – contrato

Já havia sido comentado aqui no eSports Legal, quando foi explorada A duração e o fim do contrato de atleta de esporte eletrônico, que os atletas, além de pouco conhecimento legal, possuem muito pouco poder de negociação frente aos clubes.

O resultado são contratos como este, que é uma amálgama entre o contrato especial de trabalho desportivo previsto na lei Pelé e o contrato de trabalho previsto na CLT, com diversos direitos do atleta mitigados.

Importante é a observação de que há uma clara tentativa do clube de que só seja observada a CLT, apesar de utilizar diversos instrumentos presentes tão somente na Lei Pelé.

Um exemplo é o prazo determinado do contrato:

É bem verdade que existe previsão na CLT de contrato por prazo determinado quando a natureza do serviço justificar a predeterminação do prazo.

Entretanto é largamente apontado na doutrina trabalhista que houve excesso de palavras por parte do legislador nesta previsão do artigo 433, e que se trataria apenas de serviços transitórios, como por exemplo um servente que trabalhará em uma obra até que ela termine.

Além disso, fugindo de questões de interpretação, a CLT estabelece expressamente o prazo máximo de dois anos para esse tipo de contrato, que foi superado pelo contrato em voga.

Dessa forma, baseado apenas nesta cláusula, o contrato: ou se encontra inválido, ou se trata de contrato especial de trabalho desportivo, que permite o prazo determinado de 3 meses a 5 anos.

Uma análise mais aprofundada deste contrato e de outros que este autor teve acesso, será feita em um artigo específico.

Análise e comentários – Processo e acordo

O reconhecimento do vínculo empregatício era medida de justiça já que presentes todos os requisitos para a sua configuração: o atleta é pessoa física, que sempre prestou serviços de natureza não eventual ao clube, sob dependência deste, mediante salário, era subordinado (com exclusividade), trabalhava pessoalmente e não se podia fazer substituir.

Apesar do vínculo empregatício ser óbvio, não deixa de ser uma vitória para toda a classe de atletas de esporte eletrônico ele ter sido reconhecido, pois dá a todos eles mais poder ao negociar os seus contratos.

O que chama atenção no caso é principalmente a forma que a rescisão indireta foi pedida pelo atleta, pautando-se no artigo 31 da Lei Pelé:

Art. 31. A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário ou de contrato de direito de imagem de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para transferir-se para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos. (Grifo nosso)

Por outro lado, mesmo o patrono do autor tendo atribuído, através deste artigo, a qualidade de contrato de trabalho desportivo ao contrato em voga, quando do cálculo dos valores devidos a título de cláusula compensatória, apresentou valores baseados nas regras da lei geral, e não da lei Pelé.

O contrato prevê, baseado no artigo 479 da CLT o seguinte (grifo nosso):

A cobrança no processo:

Ocorre que a regra esportiva é diferente, a lei pelé prevê, em seu artigo 28, parágrafo 3º, que o mínimo pago pelo clube é o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato.

Uma vez que o processo terminou em acordo, é difícil saber se deixar de pedir o valor do salário completo causaria alguma diferença no resultado do valor total acordado.

Após a ação

Sendo consequencia ou não da ação, Carlos “Nappon” Rücker até a publicação deste artigo não foi contratado por outro clube

O atleta também não comentou sobre o seu futuro ou sobre a reclamação trabalhista, porém se manifestou desta forma no Twitter:

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