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A National Basketball Social Justice Coalition, a luta de Vini Jr. e o poder transformador do esporte

A semana foi marcada por discussões acerca dos reais motivos pelos quais Vini Jr. não recebeu a Bola de Ouro, prêmio outorgado pela revista France Football ao melhor jogador da temporada.

Nesse contexto, vale trazer, aqui, alguns trechos do livro The Power of Basketball: NBA Players, Coaches, and Team Governors on the Fight to Make a Better America.

A obra reconta, a partir de ensaios escritos por proeminentes figuras do basquete norte-americano, os episódios e as motivações que levaram à criação da National Basketball Social Justice Coalition, uma organização sem fins lucrativos dedicada a promover a justiça social e a combater a desigualdade racial.

Iniciativa conjunta da NBA, da associação dos atletas (National Basketball Players Association – NBPA) e da associação dos treinadores (National Basketball Coaches Association – NBCA), a National Basketball Social Justice Coalition nasceu em 2020 no cenário do Black Lives Matter, movimento nacional (e posteriormente global) que, em meio à pandemia, eclodiu em decorrência do assassinato de George Floyd.

A propósito, o emblemático caso George Floyd e suas marcantes implicações são explorados com maestria em outra obra cuja leitura recomendamos: Direitos Humanos e Esporte: Como o “caso George Floyd” Ajudou a Transformar Regras do Jogo, do amigo Andrei Kampff.

Nas palavras de Adam Silver, Comissário da liga de basquete, “naquele momento difícil e incerto, com o pano de fundo de uma pandemia global mortal e operando a partir da ‘bolha’ em Orlando, a NBA e a National Basketball Players Association se uniram [em um] trabalho contínuo para criar mudanças significativas e sustentáveis ​​em torno de questões de raça e desigualdade”.

Os editores responsáveis por The Power of Basketball, James Cadogan e Ed Chung, escrevem:

A criação da National Basketball Social Justice Coalition foi uma joint venture sem precedentes (…). Além do poder da filantropia de impacto [praticada pela comunidade da NBA], a Coalizão foi estabelecida para apoiar ativamente políticas e legislações que promovam a justiça social e racial nos níveis local, estadual e federal. Em sua essência, a teoria (…) é que [a] Coalizão poderia aproveitar o momento histórico e revolucionário do poder popular que vimos em 2020 e ajudar a transformá-lo em políticas públicas que das quais as populações impactadas precisam tão desesperadamente”.

Liderada por um conselho administrativo composto por cinco jogadores da NBA, cinco proprietários de franquias (chamados de “governadores”), dois treinadores, o Comissário e o Vice-Comissário da liga e o diretor executivo da NBPA, a National Basketball Social Justice Coalition tem como prioridades:

– combater o encarceramento em massa, trabalhar pela redução do sistema prisional nos Estados Unidos e apoiar a reintegração social da população carcerária;

– promover uma abordagem de saúde pública para a prevenção e combate à violência;

​- fortalecer o acesso ao voto; e

– ​incentivar práticas policiais equitativas, consistentes, seguras e transparentes.

Essas prioridades coincidem com necessidades que continuam sendo prementes para a população negra e para outras minorias que integram a sociedade norte-americana.

Desde que surgiu, a National Basketball Social Justice Coalition tem resultados expressivos para apresentar, tais como o impulsionamento de vinte e oito projetos de lei (dos quais oito já foram aprovados), a realização de vinte e três eventos que trouxeram visibilidade para a causa (alcançando mais de 20 milhões de pessoas por meio das mídias sociais) e o estabelecimento de parcerias com mais de setenta e cinco organizações ao redor dos Estados Unidos.

Um dos intensos depoimentos contidos em The Power of Basketball é escrito por “Doc” Rivers, treinador campeão pelo Boston Celtics em 2008 que também foi um ex-atleta de destaque na NBA.

Atualmente comandando o Milwaukee Bucks, Rivers vivenciou, quando treinava o Los Angeles Clippers, o infame banimento perpétuo de Donald Sterling, então proprietário da franquia (o controle acionário do Clippers foi posteriormente vendido a Steve Ballmer por US$ 2 bilhões).

Em 2014, manifestações racistas registradas em gravações de áudio feitas pela amante de Sterling causaram intensas reações na sociedade norte-americana, provocando até mesmo pronunciamentos do Presidente Barack Obama.

À época, antes de uma partida de playoffs contra o Golden State Warriors, os atletas da equipe de Los Angeles utilizaram as camisas de treino pelo avesso e, em sinal de protesto, jogaram os agasalhos no meio da quadra, além de atuarem com meias e munhequeiras pretas.

Eis as palavras de “Doc” Rivers:

Hoje, vivo uma vida cheia de alegria e boa sorte. Joguei o jogo que amo na melhor liga do mundo. Treinei jogadores lendários e ganhei um campeonato. Tenho filhos e netos saudáveis ​​e lindos. Morei em algumas das maiores cidades dos Estados Unidos. Todos os dias, sinto-me sortudo. Mas, repetidamente, vi o lado mais sombrio do país que amo, de perto e pessoalmente. Estamos quase 180 anos após a Guerra Civil (…) e ainda assim o racismo desempenha um papel em muitos aspectos da vida americana se você for uma pessoa de cor. Rico ou pobre, educado ou não, se você é negro ou pardo na América, provavelmente será tratado de forma diferente em algum momento da sua vida. E para alguns, esse tratamento diferenciado ocorre todos os dias. (…) Essas não são simplesmente minhas percepções; são, infelizmente, fatos bem estabelecidos apoiados pelas experiências de milhões, sem mencionar décadas de pesquisa. (…) Meu tempo como jogador na NBA foi um sonho. (…) Porém, enquanto a liga é um lugar especial, sua história inclui os mesmos tipos de pontos cegos sobre inclusão que podem ser muito comuns no [restante dos] negócios. Na década de 1990, a liga tinha em média apenas cinco treinadores principais negros a cada temporada, apesar de um claro pipeline de pessoas qualificadas para essas posições. As diretorias também eram em grande parte brancas e masculinas. Se a representação importa em todos os níveis, especialmente no topo, muitos de nós estávamos recebendo a mensagem de que certas posições não estavam abertas para nós. Hoje, a liga melhorou seu histórico, só que ainda há muito trabalho a ser feito em todos os níveis”.

E ele conclui, falando sobre seu ex-empregador Donald Sterling:

Mesmo antes do escândalo, aqueles que estavam atentos sabiam que Sterling tinha práticas comerciais profundamente preocupantes e um histórico de discriminação documentado em uma variedade de processos e acordos judiciais. O que talvez tenha sido um acerto de contas inevitável aconteceu durante (…) minha primeira temporada como treinador principal do Clippers, quando o site TMZ publicou gravações de voz de Sterling fazendo comentários depreciativos e racistas sobre pessoas negras — incluindo os jogadores que faziam parte da organização do Clippers. Nossos atletas ficaram perturbados. A pessoa que pagava seus salários não achava que eles eram bons o suficiente por causa da cor de suas peles. Eu também fui afetado. Os fãs foram profundamente afetados, com muitos ligando para nossos escritórios repetidamente, exigindo que os funcionários do Clippers tomassem uma posição. Talvez a única pessoa que não reconheceu a profundidade do dano causado foi o próprio Sterling. Ele tentou ir ao jogo naquela noite. Nós dissemos não a ele. Não tínhamos autoridade para dizer não, mas dissemos. (…) Essa experiência horrível revelou algo importante para mim sobre a extensão do racismo na América. Nossa liga é composta pelos atletas mais incríveis do planeta, mais de 70% dos quais são negros. E no século XXI, a mesma coisa que experimentei como atleta universitário há quase quarenta e quatro anos continua verdadeira: por mais que as pessoas reconheçam o talento dos profissionais negros na quadra, fora dela alguns de nós ainda são privados da dignidade plena que merecemos como seres humanos, que têm sentimentos, valores e autonomia como todos os outros. E é por isso que o acerto de contas global sobre justiça racial em 2020 foi tão importante quanto devastador”.

Daí decorre a relevância de esforços coletivos como aqueles que são encampados pela National Basketball Social Justice Coalition e como aqueles que são personificados em atletas como Vini Jr.: enquanto houver racismo haverá injustiça e sofrimento, não importa o quão espetacular você seja em sua profissão e o quanto de trabalho social você faça.

Como escrevemos anteriormente nesta coluna, é triste que ainda seja preciso “mexer no bolso” de pessoas e instituições poderosas para que condutas racistas sejam efetivamente coibidas e punidas. Só sairemos desse estágio, como humanidade, se mecanismos regulatórios específicos viabilizarem, além das repercussões econômicas, conscientização e transformação social.

O poder transformador do esporte é inegável. Em um mundo marcado por profunda crise de representatividade relativamente à classe política, os atletas provavelmente são os cidadãos que possuem as melhores ferramentas para catalisar as mudanças.

Que a mensagem correta ressoe mundo afora a partir de gestos como os de Colin Kaepernick, Jesse Owens (Jogos Olímpicos de 1936), Tommie Smith/John Carlos (Jogos Olímpicos de 1968), LeBron James e Yago Mateus.

Que a mensagem correta ressoe mundo afora a partir de entidades como a National Basketball Social Justice Coalition.

Que a mensagem correta ressoe mundo afora a partir de Vini Jr., que fará “dez vezes se for preciso”, pois “eles não estão preparados”.

Estamos com Vini Jr. e com a a National Basketball Social Justice Coalition: nós também faremos.

Crédito imagem: Reprodução/Instagram

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