Ao longo do tempo, o futebol se transformou de um simples esporte bretão a uma das atividades mais rentáveis do mundo, capaz de atrair investidores, patrocinadores, adeptos e cada vez mais consumidores. Isso porque, deixou de ser apenas uma modalidade esportiva para entrar no ramo do entretenimento. Hoje em dia, devido a enorme concorrência nesse setor do mercado e aos avanços tecnológicos, o público que frequenta os estádios demanda muito mais do que um jogo de futebol.
Por conseguinte, o que antes representava somente um escudo, em um uniforme que entrava em campo, passou a ser um ativo comercial, veículo de exposição de grandes empresas, espelho da expectativa do próprio torcedor e, automaticamente, plataforma propulsora para o desenvolvimento econômico, esportivo e estrutural do próprio clube. Os uniformes que antes eram, de maneira orgulhosa, para o torcedor mais nostálgico, totalmente lisos, se converteram em um meio fundamental para monetização da atividade e, diretamente, para a existência do clube.
Nesse sentido, o símbolo do clube equivale a uma marca, ao qual podemos definir como todo sinal distintivo, visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos e serviços, bem como certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas. Sua percepção pelo consumidor pode resultar em agregação de valor aos produtos ou serviços.
Com efeito, justamente essa percepção pelos consumidores é um dos fatores para se estabelecer o valor de uma marca, o que pode ser determinante no momento de atrair parceiros e na criação de um time competitivo, que, por si só, gerará mais engajamento, mais espectadores e, consequentemente, mais receitas. É uma “bola de neve”.
A propósito, um dos desafios atuais é a atração de patrocínio, que nada mais é do que um apoio financeiro, ou similar, a qualquer pessoa, empresa, equipe, atividade ou evento que é utilizado, principalmente, para realizar objetivos de negócios específicos por meio de parcerias com o titular dos direitos (clubes). Ao executar essa parceria, os patrocinadores buscam uma associação positiva à imagem, história, notoriedade, desempenho esportivo e ao público consumidor, na expectativa de incrementar suas receitas.
Presentemente, mesmo com a queda provocada pela pandemia, estima-se que o investimento no mercado esportivo ultrapassou 55 bilhões de euros em 2021 e deverá crescer consideravelmente nos próximos 5 anos, podendo atingir cerca de 100 bilhões de euros. Não podemos olvidar que, no futebol atual, os principais clubes são marcas que transcendem a fronteira do próprio país e são comparáveis a grandes multinacionais o que, por si só, justifica as cifras acima.
Diante desses valores, faz-se necessário gerenciar e avaliar rigorosamente esses patrocínios, por parte das empresas, para notar se está sendo rentável ou colaborando com o crescimento da mesma. Por outro lado, pelos clubes, é fundamental a manutenção de uma imagem positiva, da fidelização da marca dos patrocinadores, investimentos na área de marketing e em ativações, o que, certamente deixará satisfeito a totalidade dos parceiros, podendo impulsionar acordos cada vez mais vantajosos para a entidade de desporto.
Para ajudar a construir confiança, fornecer informações claras e concisas para monitoramento dos patrocínios e das marcas dos clubes, a Brand Finance, uma das referências mundiais no tema, criou uma estrutura vinculando as atividades de patrocínio com o desempenho da marca e do negócio dos clubes, identificando como os patrocínios afetam o cliente, a aquisição do produto e fidelização. Foi feita uma investigação rigorosa sobre o desempenho financeiro e esportivo para se chegar a um ponto de segurança para todos os players.
Nessa esteira, recentemente, foi divulgado o relatório anual da instituição[1], a Brand Finance Football 50 2022 que, através de uma extensa pesquisa, em vários continentes e principais mercados do mundo, estabeleceu o ranking anual das 50 marcas mais valiosas do futebol.
Para tanto, foram adotados diversos fatores quando da avaliação dos clubes para a fixação do valor, dentre os quais podemos destacar:
a) a Liga em que o clube atua: concluiu-se que a Liga em que um time joga tem uma grande influência no valor do clube, após uma ampla investigação sobre o mercado de futebol europeu e dos emergentes, extraído dos patrocinadores e dos próprios torcedores.
b) Ativos do clube: se o clube possui estádio próprio, pois, em muitos casos, é o ativo mais importante que pode ter para gerar receitas, como o match day (tudo aquilo percebido durante os dias de partida, seja bilheteria, venda de programa de sócios, artigos do clube, bar, por exemplo) e nos dias onde não há partida. Naturalmente, ao possuí-lo se torna mais valioso. Da mesma forma, os jogadores do elenco são considerados como um outro ativo importante. Por meio deles, pode resultar em equipes competitivas, gerando receita através da aquisição/venda de direitos econômicos, como também atrair público e parceiros.
c) Fortaleza da marca: critério criado pela Brand Finance para avaliar a força da marca. Para isso, mediu-se de acordo com três pilares principais: receitas extraídas de contratos de patrocínio, venda de produtos, match day, direitos de transmissão ou qualquer outra operação econômica, que respaldam a força futura da marca; patrimônio, que são percepções atuais reais extraídas da pesquisa de mercado e outros dados; resultados, que são nada mais que as medidas de desempenho relacionadas à marca, como participação de mercado, de acordo com o seu investimento em marketing. Esse ponto é fundamental, à medida que os clubes de futebol se expandem para além das suas fronteiras locais, em busca de receitas e benefícios extras, pois é a força da sua marca que atrairá fãs, patrocinadores e, em última análise, o que diferencia um clube de outro.
d) Alcance global e número de fãs: Conforme o exposto, os clubes de futebol são marcas e negócios globais, com torcedores em todo o mundo. A pesquisa deu-se também em mercados de futebol emergentes como a América, Índia e China, o que permitiu compreender o alcance global das entidades. Isso tudo, pode ser aproveitado para gerar maior receita comercial de patrocinadores globais e arrecadação com um torcedor mundial ou fora do local de localização do clube, que está ávido para consumir o produto e acompanhar o seu time.
e) Patrimônio do clube: Os patrocinadores não estão interessados apenas em aproveitar o alcance das equipes de futebol, mas também é primordial estar associado a um clube com uma rica herança esportiva e uma história de sucesso por trás de seu nome. Desse modo, esse fator foi essencial nas pesquisas que levaram em consideração a opinião dos torcedores, tanto no mercado nacional quanto no internacional.
f) Viabilidade operacional: Atualmente, as entidades são, acima de tudo, empresas. Sendo assim, o objetivo de qualquer negócio é gerar renda para seus respectivos proprietários e acionistas. Com a chegada de regras como o fair play financeiro, os clubes não podem depender exclusivamente do investimento dos proprietários para cobrir os custos crescentes dos salários dos jogadores, do corpo técnico e de outras despesas do futebol. Assim, as dívidas e viabilidade atual do clube foram fatores primordiais desse critério.
Como não poderia deixar de ser, as marcas também estão suscetíveis ao rendimento esportivo, a atuação como protagonista em competições nacionais e continentais, o que aumenta a exposição delas e o valor do clube. Igualmente, não estão totalmente blindadas de fatos que ultrapassam as quatro linhas, como, por exemplo, escândalos de gestão provocadas por atos dos administradores, aumento das dívidas, crise econômica gerada pela pandemia, casos como a criação da Superliga Europeia, que repercutiu negativamente para a marca dos fundadores.
Posto isso, se parte para examinar o cenário atual do futebol mundial, com o ranking das 50 marcas mais poderosas. Em primeiro lugar, aparece o Real Madrid, com uma marca avaliada em 1,5 bilhão de euros, com um aumento de 19% em relação ao ano passado. Em seguida, aparecem Manchester City e Barcelona, com um valor de 1,3 bilhão de euros, apresentando um aumento de, respectivamente, 19% e 5% sobre 2021.
Ato contínuo, fechando o top 10, encontram-se outros 6 clubes fundadores da Superliga: Liverpool (4º), Manchester United (5º), sua pior colocação na história, Tottenham (8º), Chelsea (9º) e o Arsenal (10º), como valor de 800 milhões de euros. Além deles, o Bayern de Munique (6º) e o Paris Saint Germain (7º).
O predomínio inglês no campo econômico e esportivo europeu, uma relação de mão dupla com a principal Liga Nacional do mundo, que foi alvo de um outro artigo nessa seção[2], repercute diretamente nos valores das marcas. No top 50, 18 clubes são ingleses, que cresceram, em média, 15% sobre o ano passado. O valor de todas as marcas inglesas presentes no ranking perfaz 8,6 bilhões de euros. Bem abaixo, vêm os clubes espanhóis (4,1 bilhões), os alemães (3,1 bilhões) e italianos (2,1 bilhões).
Outra Liga que parece em ascendência é a espanhola, que incluiu 8 clubes nessa lista, com um crescimento médio de 18%, perdendo somente para a Serie A, onde os 7 clubes da lista cresceram 43% em média. A projeção de LaLiga é um aumento ainda maior da taxa de crescimento, tendo em vista a recente injeção de capital pelo fundo de investimento CVC Capital Partners.
O acordo teve, como uma das exigências, a realização de projetos de crescimento e consolidação em matéria de tecnologia, inovação, desenvolvimento, internacionalização da marca e do produto, e os de âmbito desportivo, devendo dedicar 70% do capital recebido para isso. Tudo isso, já foi explicado em outro artigo dessa seção.[3]
Por sua vez, os italianos tiveram um destaque irretocável, obtiveram um crescimento bem acentuado, encaixando 4 entre as 10 equipes que mais cresceram, protagonizados pela volta do gigante Milan (76% na 1º colocação), do Atalanta (56% na 3ª) e da Roma (49% na 5ª). Por seu turno, a Bundesliga, muito embora seja a segunda liga com mais representantes (11), apresentou uma queda no valor das marcas de 4 a 12% entre seus clubes.
A volta ao cenário normal pós pandemia ainda é gradativo e insuficiente, mas é um bom alento para todos o resultado de que as marcas dos 50 clubes mais valiosos do mundo somaram, este ano, 13% a mais do que em 2021 (+2,321 bilhões de euros). Os alemães foram os principais afetados e demonstram que, com as perdas recordes de 85%, totalizando 288,4 milhões de euros no exercício de 2021, o retorno do crescimento e da saúde financeira ainda tem um longo caminho a ser percorrido. Somente até 2021, as marcas dos clubes de futebol já haviam perdido quase 3 bilhões de euros.
Por fim, uma notícia muito agradável para todos os brasileiros é que o Flamengo conseguiu entrar na lista, na 49ª posição, valendo 96 milhões de euros, sendo o único clube não europeu a frequentar o top 50. Um dos diferenciais da equipe é traduzido em números obtidos nas entrevistas com os torcedores: 63% acreditam que o Flamengo tem muitos craques e 33% dizem que seu jogador favorito joga pelo clube; essas são as maiores pontuações do que qualquer outra equipe a nível mundial.
Essa associação da marca com craques é um dos parâmetros levados em conta como um critério importante para os patrocinadores, uma vez que é um atributo chave para o negócio, em termos de fidelização da marca e também de rentabilidade, já que, para os clubes sul-americanos, a venda dos direitos econômicos para os clubes europeus tornou-se parte integrante e indispensável do modelo, principalmente por muitos times brasileiros.
Sem embargo, o cenário brasileiro ainda é muito promissor, tendo em vista a maior taxa do mundo, entre os principais países, de seguidores do futebol, com 75%. Dentro desse número, 83% dos torcedores dizem acompanhar o Brasileirão. Segundo o estudo, a Série A possui os mais altos índices de herança histórica e tradição nacional. Através disso, podemos extrair que temos um público bem fiel ao nosso produto, mas que ainda necessita de uma maior atenção pelos próprios clubes, como também pelos patrocinadores. Precisamos de mais investimento no marketing.
É um panorama que nos traz muita esperança para os próximos anos, se alinharmos à profissionalização do modelo do esporte do país, introduzida pela Lei das SAF, pela criação da Liga, internacionalização da marca e divisão mais igualitária oriunda da venda dos direitos de transmissão, o que já vem sendo discutido amplamente pelas entidades nos últimos meses.
Diante do exposto, não podemos desassociar o futebol de um conceito de mercado, de marketing, de marca, de entretenimento. Uma marca atrativa para parceiros, investidores, patrocinadores é uma marca que investe em marketing, na sua própria estrutura e que está sempre atenta ao consumidor do espetáculo, em todas as partes do mundo.
Crédito imagem: Real Madrid
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[1] Fútbol 50 2022 | The Annual Brand Value Ranking | Brandirectory – última consulta: 25.05.2022
[2] O domínio inglês e a nova ordem do futebol mundial – Lei em Campo – última consulta: 25.05.2022
[3] Acordo Laliga – CVC: solução ou sacrifício? – Lei em Campo – – última consulta: 25.05.2022