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Como serão julgadas as infrações de cunho discriminatório em 2022?

O último dia 17 de maio foi o dia internacional contra a homofobia. Um dos primeiros artigos que escrevi aqui no “Tribunal da Bola” foi justamente sobre a homofobia na Justiça Desportiva. Naquela ocasião, trouxe o artigo 243-G, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), que pune infrações de cunho discriminatório.

Ressaltei que ainda que o artigo 243-G do CBJD não trate a homofobia de forma específica, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD), firmou entendimento quanto a tipificação e culpabilidade de atos considerados discriminatórios em razão da orientação sexual.

O artigo 243-G é uma baita arma que a Justiça Desportiva tem em mãos para usar no combate à ocorrência de atos discriminatórios no futebol.

Além disso, em 2019 a Procuradoria do STJD, como parte do trabalho preventivo contra casos de homofobia no futebol brasileiro, emitiu uma recomendação para que clubes e Federações atuem de forma preventiva com campanhas educativas e que os árbitros relatem qualquer tipo de manifestação preconceituosa nas súmulas e documentos oficiais.

Esta recomendação foi emitida pouco tempo depois do julgamento no STF da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADO) 26 e do Mandado de Injunção (MI) 4733. Naquela ocasião, a STF reconheceu a mora do Congresso Nacional para legislar sobre atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGTB+ e enquadrou a homofobia e a transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo – Lei 7.716/1989.

Ocorre que, o STF criou um novo tipo penal por analogia. A decisão da Suprema Corte é louvável no mérito, mas peca na forma. Trata-se de afronta ao princípio legalidade penal, previsto no artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

Quem define tipo penal, portanto, é a lei.

Para que a norma penal seja aplicada, a conduta do sujeito deve incidir exatamente no que está descrito na lei. Como a criminalização da homofobia ocorreu por meio de decisão do judiciário, não há definição legal exata do que seria o ato homofóbico punível.

Assim como não há, também, na Justiça Desportiva o que seria exatamente o ato homofóbico punível.

De 2019 para cá, vimos o artigo 243-G sendo aplicado diversas vezes para punir o que o tribunal considera infrações de cunho homofóbico. Em linhas gerais, o entendimento tem sido o de punir clubes cujas torcidas entoam cânticos considerados como discriminatórios com a pena de multa.

Isso porque é exatamente o que prevê o § 2º do artigo 243-G: “A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias”.

É o que vimos no caso do Flamengo e do Fluminense, por exemplo, ambos multados em R$50 mil por cantos de suas respectivas torcidas considerados homofóbicos.

É possível, porém, que o tribunal passe a aplicar sanções mais pesadas para este tipo de situação.

Isso porque RGC da CBF de 2022 trouxe uma novidade em relação à versão do ano passado: houve a inclusão do parágrafo único no art. 54 que prevê o seguinte: “Considera-se de extrema gravidade a infração de cunho discriminatório praticada por membro de qualquer poder do Clube em partidas de competições coordenadas pela CBF”.

E por que isso é tão relevante?

Porque significa que aqueles atos discriminatórios puníveis pelo 243-G (inclusive aqueles cometidos pela torcida, como nos casos envolvendo Flamengo e Fluminense) serão considerados extremamente graves.

Bom, e daí?

Daí que o § 3º do art. 243-G prevê que “quando for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do art. 170”.

O art. 170 do CBJD traz a lista de penas que podem ser aplicadas às infrações disciplinares previstas no código. O inciso V se refere à perda de pontos, o inciso VII se refere à perda de mando de campo e o inciso XI à exclusão do campeonato; são penas duras.

Como será que o tribunal vai aplicar a penalidade nos casos de cantos homofóbicos das torcidas?

O Campeonato Brasileiro de 2022 ainda está na 7ª rodada e nós já presenciamos casos que podem ser levados ao tribunal.

No dia 09 de maio o Grêmio protocolou uma Notícia de Infração denunciando cânticos homofóbicos entoados pela torcida do Cruzeiro, em partida da Série B do Campeonato Brasileiro. Também o Cruzeiro protocolou uma Notícia de Infração contendo denúncia similar, sobre cânticos homofóbicos entoados pela torcida do Grêmio durante a mesma partida.

Na partida de ontem, 22 de maio, entre Corinthians e São Paulo, o árbitro relatou em súmula cânticos homofóbicos entoados pela torcida do Corinthians.

Nos três casos citados, a Procuradoria fará a devida análise e, se entender pertinente, apresentará ao tribunal a denúncia. A partir daí caso aceita a denúncia, o tribunal se debruçará sobre os casos e se posicionará.

Não será algo fácil. De um lado há a necessidade de punição de atos discriminatórios, não apenas pela importância social de fazê-lo, mas pela própria previsão do RGC, como mencionado.

Por outro lado, estamos lidando com a aplicação de penas pesadas. Penas que fazem com que a interferência do tribunal na competição seja ampliada.

Novamente, coloco a inquietação objeto de uma das minhas colunas: que tipo de tribunal nós queremos?

É possível desejemos um tribunal interventor. Que para fazer cumprir seu papel de proteção ao esporte entenda pela necessidade de debater e modificar com frequência as decisões tomadas pela arbitragem em campo ou as ações dos atores desportivos foras das quatro linhas.

Cada vez que se diz e se ouve expressões como “quero ver se o STJD/ a Conmebol/ a FIFA vai fazer alguma coisa” é exatamente esse perfil de tribunal que se clama.

O tribunal que pune com mais rigor atletas apenados com cartão amarelo por uma falta; o tribunal que anula um cartão vermelho; o tribunal que tira pontos do clube; o tribunal que tira a torcida do estádio; o tribunal que anula uma partida; o tribunal que exclui um clube de uma competição; o tribunal que decide o campeonato.

É possível desejemos um tribunal impassível. Que para fazer cumprir seu papel de proteção ao esporte entenda que o resultado de campo deve ser preservado, mesmo que signifique ignorar a ocorrência de erros notórios cometidos pela arbitragem ou infrações graves cometidas fora das quatro linhas.

Cada vez que se diz e se ouve expressões como “lá vem o STJD/ a CONMEBOL/; a FIFA querendo aparecer” é exatamente esse perfil de tribunal que se clama.

O tribunal que absolve atos manifestamente desrespeitosos; o tribunal que entende ameaça e xingamentos como “parte do futebol”; o tribunal de julga agressões físicas como simples atos hostis; o tribunal que se abstém da discussão sobre manifestações discriminatórias, o tribunal que ignora a afronta às normas de fair play financeiro; o tribunal que ignora o erro de direito.

Qual será o tribunal que julgará as infrações de cunho discriminatório em 2022?

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