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Escândalo das apostas esportivas: o futebol brasileiro tem algo a aprender com o caso Tim Donaghy?

Há algumas semanas, publicamos nesta coluna um texto intitulado “Apostas esportivas no olho do furacão, mais uma vez”. Tratamos, nele, das punições aplicadas pela NFL a quatro jogadores do Detroit Lions e a um jogador do Washington Commanders em razão da violação das regras da liga sobre o tema.

Mencionamos também o afastamento de quatro funcionários da franquia de Detroit em março de 2023, a suspensão, em dezembro de 2022, de um membro da comissão técnica do New York Jets e, ainda em 2022, a exclusão, por toda a temporada, de um recebedor de destaque na NFL, Calvin Ridley. Todos esses episódios estavam relacionados a condutas irregulares relativamente ao mercado de apostas.

Terminamos tal conteúdo com a seguinte passagem: “Jogar luz sobre o debate e estimular reflexões, como o Lei em Campo há muito vem fazendo, é o papel que nos cabe (…). Somente a conscientização de todos os envolvidos e uma regulação madura, tanto do ponto de vista público quanto do ponto de vista privado, serão capazes de nos livrar do fantasma da manipulação de resultados nos campos e nas quadras.”

Agora, cá estamos nós em um misto de revolta, consternação e preocupação diante das recentes revelações acerca do envolvimento de atletas em um lamentável esquema de manipulação de resultados no futebol brasileiro.

Naturalmente, na cruzada em prol da integridade no esporte, é relevante examinarmos situações semelhantes mundo afora para ver o que podemos aprender para lidar com esse tipo de problema.

Nesse contexto, considerando os horizontes temáticos e os propósitos desta coluna, falaremos, hoje, sobre o caso do árbitro Tim Donaghy, ocorrido na NBA e abordado em Untold: Corrupção no Basquete, da Netflix.

Ainda que, à primeira vista, a história tenha maior proximidade com o escândalo Edilson Pereira de Carvalho do que com as apurações da atual “Operação Penalidade Máxima”, há elementos úteis para o cenário que estamos vivenciando no país.

Em resumo, o caso veio à tona depois que o FBI descobriu que o árbitro Tim Donaghy havia apostado em jogos que apitou durante as temporadas 2005-06 e 2006-07 da NBA.

Meses depois, Donaghy declarou-se culpado de algumas das acusações, embora tenha negado haver influenciado diretamente no resultado das partidas. Condenado a 15 meses de prisão e tendo cumprido mais 3 anos de pena em liberdade, ele contou sua versão dos fatos no livro Personal Foul: A First-Person Account of the Scandal That Rocked the NBA.

Um outro livro sobre o caso, com um foco maior no apostador Jimmy Battista, é Gaming the Game: The Story Behind the NBA Betting Scandal and the Gambler Who Made It Happen, de Sean Patrick Griffin, obra da qual tomamos a liberdade de extrair este trecho:

Quando Battista teve a oportunidade de fazer uma declaração, ele sufocou as lágrimas ao dizer ao Tribunal: ‘Não estou culpando nenhum dos outros réus (…). Fiz escolhas erradas e assumo total responsabilidade pelo que fiz.’ Depois que Battista se desculpou publicamente com sua esposa, seus filhos e sua família, o juiz (…) avançou para a prolação da sentença e disse: ‘Esse é um crime muito sério. A NBA, os fãs e os jogadores dependem da integridade do jogo e nenhuma pessoa é mais importante para a integridade do jogo do que o árbitro. Se o interesse dele for comprometido de alguma forma, todo o esporte estará comprometido’. Amon sentenciou Battista a quinze meses de prisão federal (…)”.

Sobre a possibilidade de outros árbitros ou oficiais de outros esportes estarem envolvidos em atividades semelhantes àquelas nas quais Tim Donaghy se envolvera, o livro traz as seguintes palavras de Jimmy Battista, apostador apontado como o principal arquiteto da atividade criminosa:

Se eu acho que coisas assim, envolvendo funcionários corruptos, estão acontecendo em outras ligas? Com certeza. Tenho evidências diretas de outros funcionários? Não, mas o dinheiro envolvido é muito grande para ser ignorado. Você tem que considerar a situação financeira desses funcionários. Sim, eles estão ganhando um bom dinheiro, mas não quando você compara com os jogadores com quem eles estão trabalhando. Olha, essas pessoas também viajam o tempo todo, e é um trabalho pesado. Elas estão ganhando migalhas em comparação com os atletas (…), sem falar no escrutínio ao qual são submetidas e em quantas ofensas elas têm que aceitar de jogadores, treinadores e torcedores. Você vai ter uma certa porcentagem de funcionários que dirão ‘Danem-se esses ingratos’ e que farão o que eles acham que têm de fazer. (…) Além disso, não se esqueça do quanto algumas pessoas gostam de apostar – uma vez que alguém deve algum dinheiro a um apostador ou a uma casa de apostas, quem sabe o que fará para pagar sua dívida?”.

No dia seguinte à divulgação das primeiras informações sobre o caso Tim Donaghy, o então comissário da NBA, David Stern, afirmou que “nenhum esforço de tempo ou pessoal [seria] economizado (…) para levar à justiça quem havia traído a mais sagrada confiança no esporte profissional e para (…) evitar que isso [acontecesse] novamente”, classificando a situação como a mais grave e a pior que já experimentara em sua carreira.

Além das punições judiciais aos envolvidos, o que mais resultou do caso Tim Donaghy?

Bem, a NBA revisou suas diretrizes sobre o comportamento dos árbitros e várias outras mudanças foram adotadas na sequência, como:

– a alteração do momento de divulgação do nome de quem apitaria cada jogo;

– a disponibilização de aconselhamento específico aos funcionários da liga sobre jogos de azar;

– uma checagem mais rigorosa de antecedentes criminais e de antecedentes pertinentes a apostas;

– análises estatísticas refinadas sobre padrões de arbitragem para constatar anomalias; e

– modificações no protocolo de interações entre os árbitros e as equipes.

Será que, trazendo para a realidade do futebol brasileiro, essas medidas não podem fomentar algum tipo de inspiração? Queremos crer que sim.

Sabemos que já existem, no Brasil, trabalhos sólidos e iniciativas louváveis na área de proteção da integridade, como a adesão da Liga Nacional de Basquete (LNB) à Associação Brasileira de Defesa da Integridade do Esporte (Abradie), organização sem fins lucrativos criada para combater a manipulação de resultados e a corrupção relacionada a apostas.

Que as autoridades que conduzem o futebol brasileiro tenham o senso de urgência que a ocasião pede, como, felizmente, parece estar acontecendo. E que tenham também a humildade de estudar o que já foi feito por outras entidades.

Houve o caso Tim Donaghy na NBA, houve os casos que citamos na NFL e há inúmeros outros exemplos dos quais podem ser extraídas valiosas lições.

Por fim, existem em nosso mercado profissionais tecnicamente preparados para lidar adequadamente, em diversas frentes, com a manipulação de resultados. É hora (passou da hora, na verdade) de colocar esse time em campo.

Crédito imagem: Louis Lanzano | AP

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