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Justiça Desportiva e os protocolos de prevenção à Covid-19

Protocolo. Essa é uma das palavras mais repetidas no meio esportivo desde 2020, em função da implementação de práticas que reduzam os riscos de contaminação por Covid-19. Desde a proibição à troca de camisas ao final do jogo à própria ausência de público, passando pela obrigatoriedade de testes periódicos, são diversas as medidas adotadas pelas entidades esportivas e pelas próprias autoridades públicas em todo o mundo na tentativa de conter a propagação do vírus enquanto se mantém a disputa das competições.

O automobilismo nacional não foge a essa regra. A Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) editou seu protocolo de orientação sobre o novo coronavírus, e as provas das diversas categorias (que também podem contar com protocolos específicos próprios, complementares) têm sido disputadas com arquibancadas vazias. A título de ilustração, o protocolo da CBA determina que “pessoas com exame RT-PCR com laudo positivo, não terão permissão de acesso ao autódromo e deverão ser colocadas em quarentena e/ou serem encaminhadas para acompanhamento médico”. E já tivemos exemplos de pilotos impedidos de participar de etapas da Stock Car justamente por testarem positivo para Covid-19: Gabriel Casagrande não disputou a prova final da temporada 2020 (o que, inclusive, rendeu disputas no Judiciário e no STJD, sobre as quais escrevemos em textos de março e de abril passados aqui na coluna), e Ricardo Maurício não pôde participar da segunda etapa da atual temporada.

Ocorre que, infelizmente, nem sempre os protocolos são seguidos à risca. E, recentemente, um caso dessa natureza foi levado ao exame do STJD do Automobilismo. Um piloto do campeonato de Endurance foi denunciado pela Procuradoria do Tribunal pelo fato de seus pais terem ingressado na área do podium de premiação, de forma irregular e sem a devida permissão. Interessante notar que os fatos foram comunicados pela própria promotora do evento à CBA, tendo assim chegado ao conhecimento da Procuradoria.

Trata-se de situação que ganha especial relevo em tempos de pandemia. Para além de uma mera infração disciplinar, o episódio põe em causa os protocolos da CBA e da competição, potencialmente aumentando a exposição de diversas pessoas (dentre pilotos, integrantes das equipes e membros da organização do evento) ao risco de contágio. O próprio relatório do acórdão da Comissão Disciplinar expõe, “como fato agravante das irregularidades perpetradas pelas partes envolvidas, que ambos os pais do denunciado adentraram ao local privativo de pessoas credenciadas, sem a devida utilização das respectivas máscaras de proteção utilizadas contra a pandemia do COVID 19, como, determinava o protocolo do evento”.

A Comissão Disciplinar, por unanimidade, julgou procedente a denúncia, aplicando ao piloto pena de suspensão por 1 (uma) prova com base no art. 258-B do CBJD e no art. 72 do Código Desportivo do Automobilismo (CDA). O primeiro dispositivo diz respeito à invasão de “local destinado à equipe de arbitragem, ou o local da partida, prova ou equivalente, durante sua realização, inclusive no intervalo regulamentar”, considerando-se como invasão o ingresso em tais locais sem a necessária autorização. Ainda que se possa discutir a extensão dos locais mencionados na norma, é razoável admitir que o podium seja considerado como de acesso restrito, assim se inserindo o caso em tela no contexto do dispositivo.

Já o art. 72 do CDA assim dispõe: “Os signatários da Ficha de Inscrição serão responsáveis pelos atos e omissões de seu(s) piloto(s), navegador (es), mecânico(s) e quaisquer pessoas ligados à sua equipe”. Nota-se, portanto, que a Comissão Disciplinar adotou interpretação extensiva da norma para sancionar o piloto por atos de seus pais – o acórdão não menciona que eles tenham ligação com a equipe. Não seria surpresa se essa interpretação fosse questionada em possível recurso ao Pleno do STJD.

Independentemente disso, vale observar que o descumprimento dos protocolos de prevenção ao contágio por Covid-19 não foi o que ensejou a sanção, tendo sido ventilado no relatório do acórdão apenas como possível fator agravante. Como acima exposto, o fato gerador da punição foi a invasão da área do podium por pessoas não autorizadas, o que independe da existência da pandemia e dos protocolos sanitários. E mais: ao discorrer sobre a pena a ser aplicada, o relator não mencionou a inobservância do protocolo como elemento de agravamento da sanção, tanto assim que votou pela aplicação da pena mínima prevista no art. 258-B do CBJD. Em outras palavras, essa infração afinal não foi considerada no julgamento do processo.

Enfim, esse caso revela que não basta criar os protocolos. É necessário torná-los efetivos, e sua observância pelos órgãos judicantes é de extrema importância para isso. Nesse sentido, conforme alertado por Victor Targino em recente reportagem do Lei em Campo, poderiam os Tribunais de Justiça Desportiva (e, naturalmente, as respectivas Procuradorias ao formalizar as denúncias) valer-se de dispositivos como os arts. 191, III e 258 do CBJD para fundamentar eventuais punições. Assim, se daria maior efetividade às normas de prevenção ao contágio por Covid-19, ampliando a proteção a todos os envolvidos na competição – e, consequentemente, atingindo os objetivos que norteiam a própria criação dos protocolos.

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