Por Diogo Medeiros e Ana Mizutori
Há muito que se fala a respeito de como o esporte se conecta com o entretenimento, e por conta disso se transformou num enorme mercado negocial global, entrelaçando diversas áreas, países e pessoas.
No futebol brasileiro, muito em virtude do advento da lei da SAF (Sociedade Anônima do futebol), lei 14.193/21, a maior abertura do mercado para grandes empresários internacionais, também trouxe outros grandes players para este jogo, as holdings, que são grupos empresariais, conglomerados que se tornaram verdadeiras “franquias” ao incorporarem em suas organizações diversas agremiações esportivas ao redor do mundo. A esse novo modelo no qual um clube de futebol ou uma dessas holdings adquire outros clubes deu-se a conhecer pela definição em inglês de Multi-Club Ownership, o que numa tradução livre poderíamos chamar como Multipropriedade de Clubes, e vem ganhando forma e espaço no negócio do futebol, conforme escreveu para o Lei em Campo, o colega Rafael Caldas[1].
O trabalho é realizado como uma holding efetivamente, onde há um grupo central, e este grupo central é o responsável por definir as diretrizes a serem tomadas por seus membros, organizar os orçamentos, definir os investimentos, determinar a construção de infraestrutura, como: estádio e centro de treinamento, onde comprar equipes, onde estabelecer novas parcerias, e, a forma de trabalho que melhor integra os elementos do grupo.
O Bahia é o mais novo clube grande do futebol brasileiro a ganhar destaque pela busca de aproveitar essa fatia do bolo que o mercado está a oferecer, e divulgou, na noite desta terça-feira (20), um comunicado convocando os conselheiros tricolores para apresentação da proposta de constituição da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do Grupo City. A reunião está prevista para ser realizada na próxima sexta-feira (23), a partir das 19h, no museu do clube. A proposta ainda vai ser analisada e apreciada pela Comissão Provisória da SAF, do Conselho Deliberativo e Conselho Fiscal. Feito isso, o documento será levado para votação dos sócios em Assembleia Geral [2].
Muito se vê pelo efervescer das paixões dos torcedores, um sentimento de esperança renovado pela injeção dos milhões de dólares aportados para salvar a vida financeira do time do coração. Com a ciência de ser o torcedor, o consumidor final do espetáculo futebol, o principal ativo de um clube, caberá ao mandatário e novo gestor alinhar seus interesses econômicos com os anseios da torcida, seus interesses esportivos e expectativas de glória, sonho de vencer campeonatos, de ver seu time disputando os melhores torneios, e ter suas jóias da base, seus craques e ídolos brilhando nos gramados.
O grupo do Manchester City que está em vias de concretizar a constituição da SAF do Bahia, o City Football Group, por exemplo, possui equipes no Uruguai, Austrália, Estados Unidos, Índia, Espanha, França e, está sempre aberto a expansões em seu portfólio de clubes. Este leque de equipes, permite ao Manchester City ter um amplo campo de jogadores sob observação, aumentando a possibilidade de captação de atletas ainda jovens, sem ter que gastar fortunas em contratação de estrelas posteriormente. “Com uma mentalidade totalmente empresarial, os investidores começaram a adquirir novos clubes, também em países emergentes e mercados não tão tradicionais, que pudessem proporcionar benefícios fiscais e burocráticos, um público consumidor a ser aproveitado e, obviamente, fontes de talentos esportivos capazes de garantir maiores lucros com negociações de direitos econômicos”[3], conforme João Paulo Di Carlo.
Uma preocupação constante nos debates a respeito do assunto gira em torno da integridade desportiva, ao que toca o assunto da manipulação dos resultados, e, portanto, a essência do jogo, com a previsibilidade dos resultados resguardada intacta. Pois, sendo um conglomerado de clubes, por vezes dois times poderão se encontrar em disputas, e gerar o conflito de interesses esportivos e econômicos, dependendo da “hierarquia” dentro do conglomerado. Por essa linha de raciocínio, por exemplo, a Federação Italiana de Futebol (FIGC) editou norma que entrará em vigor na temporada 2024/2025, que proíbe o Mult-Club Ownership no campeonato italiano, muito por causa de dois empresários: Cláudio Lotito dono de duas equipes da Serie A, a Lazio e a Salernitana, que disputaram a mesma divisão, o que obrigou o empresário a vender sua participação no segundo time; e De Laurentis, proprietário do Napoli e do Bari.
Pensando na integridade do esporte, nosso timoneiro, articulista, advogado e jornalista do Lei em Campo, Andrei Kampff bem assevera: “O grande desafio do futebol é entender essa realidade, protegendo a economia do negócio e a inegociável integridade esportiva. (…) provocando reflexões necessárias e reforçando a importância de uma autorregulação do futebol para dar segurança jurídica ao negócio e proteger a essência do jogo”. Lembra, ainda, que “o esporte se transformou também em um grande negócio, mas não deixou de ser esporte. Entender os novos tempos, possibilidades e caminhos economicamente necessários é fundamental, assim como manter os princípios do jogo. Encontrar um caminho que permita o investimento de um grande grupo no esporte preservando a indispensável integridade esportiva é o desafio nesse cenário de multi ownership”[4].
Pensando um pouco os benefícios que são nítidos e cujos frutos começam a aparecer, podemos falar do Cruzeiro, time comprado pelo ex-jogador e eterno ídolo do futebol brasileiro, Ronaldo Nazário, mais conhecido: “Ronaldo Fenômeno”. Dono de 90% da SAF do clube, comemora a volta à Série A após três temporadas, e vem em busca de novos recordes. O Cruzeiro garantiu matematicamente o acesso à primeira divisão do futebol brasileiro, após vencer o Vasco por 3 a 0, na última quarta-feira, no Mineirão; alcançou 68 pontos e não pode mais ser superado pelo 5° colocado da Série B.
Desde 2006 quando o torneio passou a ser disputado por pontos corridos, o Cruzeiro é aquele que garantiu o acesso com mais rodadas de antecedência – ainda restam sete, campanha histórica, e impecável. O objetivo, agora, passa a ser o título da Segunda Divisão, pois de acordo com o Departamento de Matemática da UFMG, as chances de o Cruzeiro levantar o troféu superam 99,7%. Outro alvo é atingir pontuação recorde de uma edição da Série B – em 2008, quando o Corinthians fechou o torneio com 85 pontos.
Em suas redes sociais, o ex-atacante publicou uma mensagem direcionada à torcida do Cruzeiro celebrando a conquista. Na postagem em seu Instagram, Ronaldo conta sua trajetória como novo dono do Cruzeiro e das dificuldades enfrentadas. No fim, o ex-jogador aumenta as expectativas da torcida azul de Minas Gerais: “E vamos por mais, muito mais! Vamos juntos! Obrigado pela confiança, Nação Azul!”. — Isso aqui é só a cereja do bolo. Nós trabalhamos muito para merecer isso. Essa noite foi especial demais. Parabenizar jogadores, comissão técnica, minha equipe administrativa, mas principalmente a essa torcida que sofreu por quase três anos. Hoje é o dia da glória. Obrigado, quero agradecer o apoio deles. Agora vamos comemorar por alguns dias e começar a pensar no ano que vem — disse Ronaldo depois do jogo.
E para apimentar esse debate, o que vocês achariam de assistir um derby, um clássico entre Lebron James x Ronaldo Fenômeno. Teoricamente um duelo fantasioso em se pensando num jogo entre o astro do futebol contra o astro do basquete, pois, saiba que diante deste cenário dos conglomerados isso será possível acaso se viabilize o negócio entre a Fenway Sports Group e a constituição da SAF do clube Atlético Mineiro. Você apostaria em quem nesse duelo de gigantes? Você seria #TeamFenômeno ou #TeamKing?
A princípio, a informação foi dada inicialmente pelo Fala Galo, mas por enquanto ainda não se fala em valores ou porcentagens: “Diante disso, passando por vários possíveis, um nome forte, que até foi mencionado como possível interessado na SAF Cruzeiro no ano passado, ganha força, a Fenway Sports Group. Dona do Liverpool, a Fenway Sports Group também controla o Boston Red Sox, da Major League Baseball – o nome da empresa vem do estádio do time, Fenway Park. O grupo também tem uma emissora de televisão e uma equipe da NASCAR. Um dos acionistas da FSG é LeBron James, astro da NBA atualmente no Los Angeles Lakers”.
Da mesma forma, Bruno Muzzi, CEO do Galo, atualizou sobre esse processo e afirmou que não há nada concreto: “Ainda não tem nenhuma definição de nada da SAF. Que tipo de investidor, percentual de controle, data e muito menos perímetro da operação: o que entra e o que fica fora. E isso depende de cada investidor, porque tem investidor de futebol e investidores que são fundos”. Entretanto, Bruno opinou sobre qual é o investidor ideal para o time, que junte o futebol com a questão do entretenimento: “Eu gosto do investidor que tenha um pé nos Estados Unidos e um pé na Europa. Na Europa, pela expertise de futebol, categoria de base. Eu acho importantíssimo na vida do Atlético para frente. E que tenha a questão do entretenimento (EUA), de saber explorar, saber usar o esporte, tratar o produto igual numa liga. Isso me agrada muito.”
Concluindo, o que se verifica é a presença cada vez mais nítida dos grandes investidores, conglomerados empresariais, e a enorme movimentação financeira global convergindo para o mundo dos esportes, dos grandes atletas, dos verdadeiros super-heróis modernos. Porque são uma fonte inesgotável de receitas e oportunidades de negócios. As paixões movem o imponderável, e isso dá muito dinheiro.
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo
[1] Multi club ownership – Lei em Campo
[2] Bahia convoca reunião do Conselho Deliberativo para apresentação de proposta de SAF do Grupo City – Lei em Campo
[3] Multi-club ownership, um território sem lei – Lei em Campo
[4] As novas tendências e tecnologias, e suas respectivas revoluções na indústria do esporte – Lei em Campo