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O dilema do “load management” na NBA

Nos últimos anos, o conceito de load management passou a estar cada vez mais presente na cobertura jornalística e na produção de conteúdo sobre a NBA.

A ideia pode ser resumida no seguinte: a evolução da ciência do esporte mostrou que o gerenciamento da carga/intensidade dos treinamentos e jogos, associado aos trabalhos preditivos em relação a lesões e a períodos mais longos para reabilitação e descanso dos atletas, é uma ferramenta indispensável para prolongar carreiras, preservando a saúde dos protagonistas do espetáculo.

Como consequência, deixar jogadores de fora de determinadas partidas virou uma decisão racional e estratégica da qual nenhuma equipe da NBA abre mão.

Porém, essa prática vem cobrando um preço “salgado”: a insatisfação dos torcedores com a ausência de estrelas em partidas da temporada regular.

Sim, o load management é responsável pelo frequente “esvaziamento” do interesse por jogos que, muitas vezes, são vendidos, para torcedores, redes de TV e outras mídias, como grandes atrações.

Em recente (e excelente) texto sobre o tema, o jornalista Ben Rohrbach, da Yahoo Sports, relatou:

Comprei dois ingressos para o jogo entre o New Orleans Pelicans e o Boston Celtics como presente de Natal para familiares. O preço mais barato para um par de assentos no mercado secundário foi de US$ 226. Isso não inclui estacionamento, comida, bebidas ou souvenirs. [Porém], nem Zion Williamson e nem Brandon Ingram – as principais atrações da equipe adversária – jogaram em um jogo que estava praticamente encerrado no início do quarto período. Ou seja, [foi pago] um preço exagerado por um produto diminuído.

Essa não é uma exceção. Está virando regra. Famílias de quatro pessoas gastaram teoricamente uma média de US$ 444 para assistir a um jogo da NBA na última temporada, de acordo com um índice (…) que pondera o custo principal de quatro ingressos não premium, estacionamento, quatro cachorros-quentes, dois chopes e dois refrigerantes.

Isso representa um aumento de 44% em relação a 2012-13 (…). O preço médio do ingresso passou de US$ 47 para US$ 56 entre 2006-07 e 2015-16, e, supostamente, ultrapassou US$ 100 pela primeira vez na temporada passada, apesar da queda de público pós-pandemia.

Isso se você tiver sorte. A maioria dos ingressos disponíveis é pega no vórtice de um mercado secundário que pode fazer os preços dispararem em mais de 400%. Os ingressos para todas as equipes, exceto sete, custam, na revenda, mais do que o dobro do preço original, (…) elevando o custo médio para uma família de quatro pessoas para cerca de US$ 1.000 por noite. Isso é mais do que o dobro do que [esse tipo de entretenimento] custava à mesma família no mesmo mercado secundário há uma década.

A menos que você espere pelo último relatório de lesões antes de fazer sua compra e de colocar as crianças no carro para uma viagem à arena, você estará cruzando os dedos para realmente ver o produto pelo qual pagou.

Pelas minhas contas, dos 70 jogos transmitidos na ABC, ESPN ou TNT nesta temporada, pelo menos um jogador de primeira linha não jogou em 58 deles. Ressalvadas as ausências por lesões de longo prazo (…), ainda é uma incógnita saber quais jogadores atuarão [em uma determinada partida].

[Obviamente], é do interesse de uma equipe cuidar de jogadores que retornam de lesões ou são propensos a elas. A pandemia também forneceu motivos para que sejam tomadas mais precauções quando há sintomas da doença. (…). [Por outro lado], a liga precisa de seus melhores jogadores para saciar as redes de TV.

[É fato que] a NBA tomou medidas para aliviar o peso do calendário sobre os jogadores, limitando o número de partidas em noites consecutivas e aumentando o número de jogos seguidos contra o mesmo adversário. [Contudo, tudo indica que] essas medidas não levaram a uma diminuição no load management.

Como endereçar a questão?

Uma das hipóteses seria a redução do número de jogos da temporada regular da NBA (são 82). Sobre isso, Ben Rohrbach é cético: “A NBA não cortará os jogos pelo mesmo motivo que não cortará os preços dos ingressos. O dinheiro é muito bom, mesmo que isso signifique pedir a uma família média que aposte US$ 1.000 na chance de ver a melhor versão do produto”.

O mesmo ceticismo é demonstrado por outros respeitados jornalistas que vêm tratando do assunto, como Brian Windhorst. Em um dos últimos episódios de seu podcast, ao descrever a experiência de assistir partidas do futebol europeu in loco, Windhorst destacou a escassez, elemento essencial para a formação e percepção de valor, como algo que poderia fazer bem à NBA no contexto das discussões relativas ao próximo acordo trabalhista entre a associação dos atletas e a liga.

Um dos exemplos do quanto o load management pode prejudicar o produto da NBA foi descrito no programa de Windhorst: a frustração de torcedores em Cleveland que pagaram caro pelos ingressos para a partida contra o atual campeão Golden State Warriors apenas para descobrir, poucas horas antes do jogo, que quatro dos principais jogadores do Warriors (dentre eles o astro Stephen Curry) não estariam em quadra.

De qualquer forma, Windhorst também não acredita que a NBA irá reduzir o calendário da temporada regular pelo simples motivo de que isso representaria menos dinheiro para todos os envolvidos.

Em outras palavras, entre sacrificar lucros de forma permanente e sacrificar, eventualmente, o prazer de alguns torcedores, a escolha será puramente financeira.

De fato, quem acompanha a NBA sabe o quão decepcionante é ver, ao lado do nome de um atleta, quando são anunciadas as escalações, a sigla DNP (as iniciais de Do Not Play, ou seja, “não joga”).

Em novembro de 2012, o San Antonio Spurs foi multado em US$ 250.000 por deixar de fora seus principais jogadores em uma partida de temporada regular contra o Miami Heat, a qual seria transmitida em horário nobre.

Na ocasião, os amantes do basquete (eu, inclusive) ligaram a TV ansiosos para ver o aguardado embate entre os multicampeões Tim Duncan, Tony Parker e ‘Manu’ Ginóbili e o trio de estrelas LeBron James, Dwyane Wade e Chris Bosh, que, tendo se juntado em Miami, haviam sido campeões na temporada anterior.

Ao comunicar a decisão de multar a franquia do Texas, David Stern, então comissário da liga, declarou que, “ao decidir deixar (…) seus melhores jogadores indisponíveis para um jogo do início do calendário que [seria] a única visita do time a Miami na temporada regular, (…) sem informar o Heat, a mídia ou o escritório da liga em tempo hábil, (…) [o San Antonio Spurs] prestou um péssimo serviço à NBA e aos torcedores“.

À época, Gregg Popovich, lendário treinador do Spurs e responsável pela não escalação dos atletas, afirmou que a equipe já havia feito isso anteriormente na esperança de que fosse a decisão mais inteligente, e não a decisão mais popular. Segundo ele, tal movimento era “bastante lógico”.

Eis, portanto, um conflito entre a lógica, que guia as equipes, e a paixão, que guia o torcedor.

De um lado, a NBA nunca valeu tanto. Os valuations das franquias triplicaram ao longo da última década. Atualmente, a liga possui dois contratos de direitos de transmissão, com a ESPN e com a Turner Sports, no valor de US$ 24 bilhões. Há rumores de que o próximo ciclo contratual será negociado, após a temporada 2024-25, por US$ 75 bilhões.

O basquete é um esporte global, com atletas altamente reconhecidos como marcas individuais de grande apelo, uma vantagem competitiva da NBA em relação à NFL, por exemplo.

Apenas na China, existem mais fãs da NBA do que a população somada de Estados Unidos e Canadá, isso sem falar em outros mercados de impacto, como o Brasil, a África e o restante da Ásia.

Além disso, as apostas esportivas estão apenas começando nos Estados Unidos, o número de franquias deve aumentar e as receitas tendem a crescer em todos os segmentos abrangidos pela liga.

Existem, enfim, muitas razões para que a NBA deixe tudo como está.

Por outro lado, com as redes sociais, os torcedores nunca tiveram tanta voz. E, insatisfeitos, eles podem fazer ecoar o desgosto causado pela habitual ausência de seus ídolos nas partidas de temporada regular.

Como medir os efeitos dessa insatisfação, no longo prazo, para o produto da NBA, uma liga que se orgulha de ser orientada para a experiência do fã?

Como se vê, o dilema do load management é complexo e, goste-se ou não da tendência, é algo que merece ser debatido.

Crédito imagem: Michael Wagstaffe/Yahoo Sports illustration

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Daniel Alexandre Portilho Jardim é graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Master of Laws (LL.M) em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/MG, especialista em Negócios no Esporte e Direito Desportivo e professor do MBA em Negócios no Esporte e Direito Desportivo do Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN), onde ministra a disciplina “Modelo de negócios das ligas esportivas norte-americanas”. É também sócio-fundador do Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria (www.lageportilhojardim.com.br) e editor-chefe do blog Negócios no Esporte (www.negociosnoesporte.com).

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