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Players do mercado se reúnem para discutir projeto de lei que regula o esporte eletrônico

Na quinta-feira, dia 24/10, a ABRIASP realizou uma reunião envolvendo os players do mercado de eSport e especialistas em áreas técnicas do mercado para discutir as reivindicações que cada player acha pertinente serem feitas quando da audiência pública convocada pela senadora Leila do Vôlei referente ao Projeto de Lei do Senado n. 383/2017, que busca regulamentar o esporte eletrônico.

Estiveram presentes CEOs e representantes de clubes, marcas, patrocinadores, investidores e, claro, o representante da senadora Leila. A ausência de representantes de atletas e de jornalistas foi notada. Especialistas em direito, psicologia, educação, marketing, transmissões, realização de eventos e outros contribuíram no debate.

 No caso dos jornalistas, além de não ter presente alguém que reivindicasse interesses da classe, a cobertura do evento também não existiu, razão pela qual, mais do que nunca, o autor deste artigo tentará relatar os assuntos tratados na reunião com máxima imparcialidade.

Histórico da PLS n. 383/2017

O projeto de lei, que bem resumidamente busca aplicar nos eSports  já foi amplamente discutido aqui no eSports Legal, mas vale destacar alguns acontecimentos da tramitação da proposição.

  1. O texto original do projeto foi redigido e proposto pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA) juntamente com a Confederação Brasileira de Desportos Eletrônicos (CBDEL). Esta confederação tem péssimo relacionamento com clubes e desenvolvedoras e por isso não conta com a representatividade dos players do mercado. O leitor pode ler sobre o direito por trás do fracasso da CBDEL neste link.
  2. O presidente do senado determinou que o projeto de lei seria discutido e votado pela comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática; e após pela comissão de Educação, Cultura e Esporte, esta com decisão terminativa.
  3. O projeto foi aprovado pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática com alterações no texto.
  4. O projeto foi discutido e aprovado pela comissão de Educação, Cultura e Esporte com uma alteração polêmica no texto, a de que esportes eletrônicos violentos não seriam considerados esportes. Este fato unido a vídeos com o discurso do senador que propôs essa mudança Luis Eduardo Grangeiro Girão (PODE/Ceará) falando que a culpa da violência na sociedade era dos games, inclusive citando o massacre de Suzano (SP). Também gerou polémica a manifestação da senadora Leila Barros (PSB-DF) dizendo que o eSport não era esporte, pois não havia preparação, entrega e abdicações por parte dos jogadores. Leia mais.
  5. Diante da polêmica que tomou grandes proporções, a Senadora Leila (e aqui fica o reconhecimento, por parte deste autor, da humildade da Senadora) procurou entender melhor o esporte eletrônico. Por isso e por conta de uma carta enviada por importantes players do mercado, a Senadora tentou levar o projeto de lei para ser votado no plenário da casa legislativa. Leia mais.
  6. A senadora conseguiu fazer com que a discussão em torno do projeto de lei continuasse no senado para ser novamente votado, designando audiência pública para que sejam ouvidos todos os interessados. Daí surge a iniciativa da ABRIESP para, de antemão, já determinar quais as reinvindicações que serão feitas na audiência.

Se o leitor tiver interesse de entender melhor o projeto de lei e sua tramitação, este autor foi consultor da Versus, que fez uma maravilhosa e detalhada reportagem sobre o projeto de lei.

 

Tema 1: Regulamentação para quê?

Como foi explicado, o projeto de lei busca permitir que sejam aplicadas, nas relações jurídicas que permeiam o eSport, as leis esportivas.

A preocupação de grande parte dos participantes da reunião era a própria regulamentação por desconhecer os pontos positivos e negativos da aplicação da legislação esportiva na atividade.

Antes de entrar no mérito se essa legislação é adequada, vale dizer que nenhuma atividade econômica está livre de obedecer a alguma lei. Usando o exemplo dos direitos trabalhistas: se há relação empregatícia (e há), haverá alguma lei que será aplicada para determinar os direitos e obrigações do empregado e do empregador.

O que se busca em qualquer atividade econômica é a aplicação de direitos e obrigações que observam as especificidades daquela atividade, a fim de garantir que a atividade prospere e ao mesmo tempo garanta os direitos básicos do trabalhador.

Como exemplo prático, a Riot Games e os clubes – por meio de sua associação, ABCDE – já acordaram que será utilizado o contrato especial de trabalho previsto na legislação esportiva nas relações empregatícias entre o clube e o atleta.

O contrato especial de trabalho desportivo realmente oferece vantagens para esse mercado, como a possibilidade de concentração, a duração definida do contrato, cláusulas indenizatória e compensatória, entre outros.

Ocorre que, sem uma regulamentação como essa, os clubes QUE JÁ FAZEM esse tipo de contrato estão entre o céu e o inferno, já que terá acumulado milhares de reais de dívida caso algum juiz entenda que deve ser aplicada a CLT.

O argumento de que existe UMA decisão judicial aplicando a legislação esportiva ao eSport não é suficiente para trazer a devida segurança jurídica, afinal temos tantas outras onde esta legislação não foi aplicada.

Quando se discute esse assunto nas redes sociais, não são raros comentários como “Mas basta fazer um contrato de prestação de serviço ou entre pessoas jurídicas”. Não funciona. Os direitos trabalhistas são irrenunciáveis. O ministério público poderá (e deverá) intervir.

Resumindo: alguma lei deve ser aplicada, então que seja a mais benéfica. E mais importante que isto é que exista um dispositivo legal que garanta qual das legislações será aplicada.

O posicionamento do autor é de que a legislação esportiva com certeza não é a ideal para o eSport, assim como não é nem para esportes tradicionais que não sejam o Brasileirão Série A.

Mas com certeza é mais vantajosa para o mercado do esporte eletrônico do que as leis gerais que se aplicariam no seu lugar.

Como uma “regra transitória”, a legislação esportiva é bem-vinda, porém é necessário pensar em uma regulamentação específica para o desporto eletrônico.

 

Tema 2: Federações

Como exposto no histórico do projeto de lei, a iniciativa da proposição teve participação da CBDEL, confederação que tem péssimo relacionamento com as desenvolvedoras, e como tentativa de mitigar a propriedade intelectual destas, coloca no artigo 4º do texto original do projeto de lei que federações deverão ser responsáveis por administrar o desporto eletrônico.

Com válida preocupação, a questão foi trazida pelo Guilherme Barbosa, CEO da Nøline, ao debate.

Ocorre que nem mesmo a legislação esportiva, por incrível que pareça, cita “federação” ou “confederação” no seu texto, isso porque a constituição prevê o princípio da autonomia esportiva.

A autonomia esportiva diz que a entidade que administra uma modalidade esportiva poderá se organizar da forma que bem entender, com o nome que bem entender e se constituir como bem entender (empresa, entidade sem fins lucrativos, S.A., etc.).

O termo que deve ser utilizado é “entidade de administração do desporto”, e como já apontado diversas vezes neste blog, as desenvolvedoras devem ser consideradas como entidade de administração do desporto.

A preocupação, no entanto, não existe mais. A palavra federação já foi trocada pelo termo “entidade de administração do desporto” quando da votação na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática.

De qualquer forma, mesmo que o texto da lei fosse publicado com a palavra federação, tratar-se-ia de flagrante inconstitucionalidade e o dispositivo jamais teria aplicabilidade.

Caso o leitor queira ler mais sobre esse assunto, ele já foi tema de um artigo aqui no eSports Legal.

 

Tema 3: Hibridismo de Normas, o Abuso de Poder das Desenvolvedoras e os Direitos do Atleta.

Observação: O tema 3 foi contribuição deste autor na reunião. O autor não é representante dos atletas e nem fala por eles, porém diante da falta de representantes e sabendo que os direitos dos atletas são atualmente mitigados no cenário esportivo eletrônico, tratou de reivindicá-los.

Clubes e desenvolvedoras já se aproveitam da legislação esportiva, porém também se beneficiam de outras leis, além disso não seguem diversas obrigações das mesmas leis das quais se beneficiam.

Historicamente, as entidades que administram as modalidades esportivas detêm muito poder político e econômico no mercado. Isso pode ser visto no futebol com FIFA e CBF.

O mesmo se aplica ao esporte eletrônico, mas com um maximizador: no eSport, aquele que administra o esporte também é dono do jogo.

É válido o argumento de que a FIFA, semelhantemente, controla o futebol mundialmente, porém fica apenas na semelhança, não é igual. A FIFA tem direitos de imagem apenas de suas competições, mas não do futebol. No eSport a desenvolvedora controla toda e qualquer manifestação do jogo que criou.

Pensando nesse acúmulo de poder nas mãos da administradora do esporte, a legislação esportiva trata de – pelo menos tentar – igualar os poderes da administradora, clubes e atletas.

Por exemplo: a decisão da desenvolvedora de suspender ou excluir (banir), de acordo com a legislação esportiva, só poderá ser aplicada após o caso ser julgado em justiça esportiva (Art. 48, parágrafo 2º).

A justiça esportiva é um tribunal privado, criado pelo próprio mercado, seus juízes serão 2 representantes da desenvolvedora, 2 representantes dos clubes, 2 representantes dos atletas, 2 representantes da OAB e 1 representante dos árbitros. Toda decisão do tribunal é gerada a partir do voto da maioria desses representantes.

No caso concreto do jogador Loop, não foi aplicada a lei esportiva e a decisão da desenvolvedora de suspender o atleta por 1 ano teve aplicação sem que, supostamente, o atleta tivesse qualquer chance de defesa.

Os argumentos “mas o atleta conhecia o regulamento e não era obrigado a participar, então a desenvolvedora tem o direito de aplicar a punição” ou “mas estuda-se a exclusão do sistema da justiça esportiva, inclusive no futebol” não merecem prosperar, pois o dispositivo está vigente e deve ser seguido até que a lei mude (se mudar).

Outra questão é a fiscalização dos contratos de trabalho (inclusive o visto de trabalho do atleta estrangeiro).

O contrato de trabalho esportivo tem, no início, 2 partes: clube e atleta.

Depois de inscrito na competição, gera o vínculo esportivo, fazendo com que o contrato passe a ter 3 partes: clube, atleta e desenvolvedora (no caso do eSport).

O dever de fiscalizar se o contrato está correto é da desenvolvedora nesse caso, por duas razões:

– Direitos trabalhistas;

– Fairplay financeiro: se um clube faz um contrato errado para se beneficiar financeiramente, quem faz o contrato certo será prejudicado, pois aquele que fez errado poderá investir o dinheiro economizado, trazendo vantagem competitiva indevida.

Porém, como já foi denunciado aqui no Lei em Campo, é de conhecimento deste autor que fraudes, como contratos de prestação de serviço e “pêjotização” existem.

Bom relembrar que no Tema 1 foi demonstrado que HÁ ACORDO entre Riot Games e Clube que determina qual o tipo de contrato que deve ser feito.

Aproveitar os bônus de mais de uma lei, assim como não observar os seus ônus delas tem nome e é hibridismo de normas. A prática é vedada, com jurisprudência pacífica dos tribunais superiores (STJ e STF).

Tema 4: Competições Universitárias

Um organizador de competições de eSports universitários expressou medo da regulamentação dificultar seus trabalhos.

O perigo não existe, pois o esporte universitário não é tratado como esporte de rendimento, mas sim como esporte de participação.

A legislação esportiva trata de fazer essa diferenciação a fim de que as obrigações dos organizadores do desporto profissional não sejam estendidas aos organizadores do desporto amador.

 

Tema 5: Diferenciar atleta, profissional do entretenimento e jogador casual

O tema foi trazido pelo CEO do clube Falkol, Aristoteles Toti.

Toti tratou de incisivamente dizer que não é qualquer jogador de jogo eletrônico que devem ser chamados de atleta.

Importante lembrar que foi justamente essa questão que causou toda a polêmica envolvendo a senadora Leila.

Atleta, na visão do CEO, é aquele que, a fim de estar preparado competitivamente, tem horário para acordar, treinar, se exercitar, se alimentar e dormir. Com nutricionista, preparador físico, psicólogo, fisioterapeuta, treinador e diversos outros profissionais supervisionando e contribuindo nessa rotina.

O profissional do entretenimento será aquele que, utilizando do jogo eletrônico ou da comunidade que se forma em volta deste, cria conteúdo para entreter, seja na qualidade de youtuber, streamer, influencer, apresentador, entre outros.

Por último, será jogador casual aquele que joga apenas para se divertir.

 

Tema 6: O eSport como instrumento de educação e igualdade de gênero

Quem trouxe o tema foi os representantes da THE360, empresa focada em cursos e educação do esporte e utilizando o esporte, em especial o futebol.

Defenderam a utilização de um modelo de educação utilizado na Islândia, onde o homem e a mulher não são divididos em modalidades diferentes, nem mesmo nos esportes analógicos.

Os eSports praticados com jogos violentos

O tema controverso não levantado na reunião.

             

Audiência Pública

Todos os assuntos tratados foram anotados pelo representante da senadora Leila, que expressou compreensão e disse que irá se certificar de levantar os tópicos durante a audiência pública que poderá ser fator determinante em alterar o projeto de lei.

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