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Quem paga a conta?

No último dia 02 de abril, a população do condado de Jackson, no estado norte-americano do Missouri, rejeitou uma proposta que pretendia prorrogar, por mais 40 anos, a cobrança de um tributo incidente sobre vendas.

Você pode estar se perguntando: o que isso tem a ver com esporte? Bom, o objetivo da medida seria garantir a permanência na região, por mais 25 anos, do Kansas City Royals, da MLB, e do Kansas City Chiefs, atual bicampeão do Super Bowl.

A continuidade no pagamento de tal tributo, que corresponde a US$ 0,0375 (3/8 de centavo de dólar) de cada operação mercantil realizada no condado, financiaria a renovação do complexo esportivo Truman, em que estão localizados, há mais de 50 anos, o Kauffman Stadium, do Royals, e o Arrowhead Stadium, do Chiefs.

A equipe de beisebol havia prometido investir, por conta própria, US$ 1 bilhão na construção de um novo estádio.

Já a franquia da NFL gastaria, em recursos privados, US$ 300 milhões em uma reforma orçada em US$ 800 milhões para modernizar o Arrowhead, que, aliás, receberá jogos da Copa do Mundo de 2026.

Estamos profundamente desapontados, pois acreditamos firmemente que o condado de Jackson é melhor com os Chiefs e os Royals”. Estas foram as palavras de John Sherman, proprietário do Royals, que se definiu como um torcedor dedicado dos dois times e alguém com raízes profundas na cidade.

Por sua vez, Clark Hunt, CEO do Chiefs e filho do responsável pela construção do Arrowhead, pontuou que a equipe não estaria disposta a assinar outro contrato de 25 anos “sem o financiamento apropriado para renovar e reformular o estádio’’.

O contrato das equipes para mandar seus jogos nos atuais estádios vale até o dia 31 de janeiro de 2031. Até lá, o Chiefs deverá continuar jogando no Arrowhead. Já o Royals planeja se mudar para uma outra casa a partir de 2030.

O futuro das duas equipes no Kansas, portanto, é incerto, e cidades como Dallas, impulsionada por declarações do prefeito, se colocam no radar como um possível destino ao menos para o Chiefs.

Entrevistado pelo canal Fox4, Michael Savwoir, um líder sindical do condado de Jackson, afirmou:

Dois bilhões de dólares em dinheiro dos contribuintes poderiam fazer muito para desenvolver nossa comunidade. Os bilionários não financiam minhas loucuras. Por que devo financiar a deles?

Outro personagem ouvido no processo foi Tim Smith, gerente de uma campanha contrária à medida pretendida por Chiefs e Royals:

As pessoas em todo o condado de Jackson, independentemente da sua orientação política, aproveitaram a oportunidade para lutar contra Golias. Estou feliz em informar que matamos Golias (…). Esta é a mensagem para os bilionários: as pessoas comuns ainda são importantes.

Evidentemente, votações como essa envolvem temas bastante sensíveis, que vão muito além de meras escolhas morais ou da predileção por um esporte ou por uma equipe esportiva. Há fatores econômicos, políticos, sociais e históricos cujos impactos em decisões de tal natureza são imensos.

Um exemplo é a necessidade de deslocar pequenos negócios há muito estabelecidos em certas localidades para ali construir um novo equipamento esportivo. Essa discussão, a propósito, aconteceu no Kansas.

As pretensões do Royals de erguer um novo estádio começaram com a indicação de dois potenciais endereços, um no extremo leste da região central da cidade e outro em Clay County. No fim das contas, contudo, a nova área escolhida foi Crossroads, vizinhança que se caracteriza por ser repleta de restaurantes, estabelecimentos de arte e entretenimento.

A franquia da MLB, porém, não chegou a um acordo com os proprietários de imóveis que seriam diretamente afetados pelas obras. A isso se somou a descrença dos cidadãos votantes naquilo que foi apresentado pelos dirigentes do Kansas City Royals.

Discussões semelhantes ocorrem de tempos em tempos nos Estados Unidos, em que o modelo de negócios das principais ligas esportivas profissionais pressupõe um sistema de franquias que podem ser realocadas.

A história da cidade de Oakland ilustra bem essa dinâmica.

Em 1976, os California Golden Seals, da NHL, partiram para Cleveland, tendo deixado de existir alguns anos depois.

O Raiders, da NFL, mudou-se para Los Angeles em 1982, retornou para Oakland em 1995 e está em Las Vegas desde 2020, mesmo ano em que o vitorioso Golden State Warriors, da NBA, instalou-se na vizinha San Francisco.

Mais recentemente, em 2023, após longas discussões e negociações frustradas com a municipalidade, o Oakland Athletics, da MLB, time que está em Oakland desde 1968, anunciou a aquisição de um terreno também em Las Vegas, com planos de erguer um estádio por lá e de se mudar em 2027.

De modo geral, construir ou renovar um estádio é algo extremamente caro em qualquer lugar do mundo, o que leva à formatação de parcerias público-privadas para viabilizar iniciativas dessa espécie.

O Tennessee Titans, da NFL, construirá um novo estádio em Nashville que está projetado para custar US$ 2,1 bilhões, dos quais US$ 840 milhões serão aportados pelos donos da franquia e US$ 1,26 bilhão serão subsidiados (US$ 500 milhões pelo estado do Tennessee e US$ 760 milhões com a emissão de títulos a serem reembolsados ​​por meio de vendas de licenças, taxas cobradas durante os eventos esportivos e um novo tributo incidente sobre a atividade de locação de hotéis e motéis).

A pergunta fundamental sempre é: quem paga a conta?

Quando uma nova estrutura esportiva é desenvolvida de forma alinhada às necessidades públicas de uma determinada comunidade e se mostra otimizada para a geração de receitas futuras que retroalimentarão a economia local, o investimento pode fazer sentido para todos os envolvidos.

Análises de custo-benefício como essas que mobilizaram as populações de Oakland, Jackson e Nashville foram feitas em casos emblemáticos como os de Barcelona, para os Jogos Olímpicos de 1992, de Berlim, para a Copa do Mundo de 2006, e de Londres, para os Jogos Olímpicos de 2012.

O caso de Barcelona, especialmente, é tido como bem-sucedido pelo fato de as obras realizadas para o evento esportivo terem sido inseridas em um contexto mais amplo de planejamento urbano.

Por outro lado, são vistos como problemáticos e questionáveis, do ponto de vista do legado, boa parte dos investimentos públicos feitos em Atenas (Jogos Olímpicos de 2004), na África do Sul (Copa do Mundo de 2010) e no Brasil (Copa do Mundo de 2014 e, no caso específico do Rio de Janeiro, Jogos Olímpicos de 2016).

Idealmente, um estádio deveria estar situado em uma área bem localizada, fisicamente bonita, adequada ao microclima, com amplo estacionamento e inúmeras vias de acesso por transporte público. No entanto, embora as circunstâncias, públicas e privadas, raramente permitam a concretização desse ideal, ele não deixa de ser, de alguma forma, perseguido. E aí a equação econômico-financeira vai passando a ser mais difícil de administrar.

Quando o Poder Público decide contribuir financeiramente para a construção de um estádio (ou, mais modernamente falando, de uma arena), devem ser avaliados fatores como geração de novos empregos, aumento da arrecadação com as propriedades imobiliárias do entorno, incremento dos modais de transporte público, reflexos na circulação urbana, consequências para o meio-ambiente, estímulos ao turismo etc. Sem esquecer, obviamente, das fontes de custeio.

E cabe à população questionar: esse dinheiro estaria mais bem empregado em outros projetos? Há algum desequilíbrio de ordem social ou econômica que desautoriza o financiamento público na construção de um estádio? A coletividade tem condições de arcar com isso?

Muitas vezes, a resposta à pergunta fundamental sobre quem paga a conta é: “sobretudo o contribuinte”. No caso das franquias esportivas do Kansas, o contribuinte disse “não”.

Crédito imagem: @jrw_shoots

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