Pesquisar
Close this search box.

Raulzinho, empatia e os porquês

A Copa do Mundo de basquete masculino já teve as suas primeiras rodadas e, até o momento, a campanha da seleção brasileira ficou marcada pela grave e triste lesão sofrida pelo armador Raul Neto, mais conhecido como Raulzinho, na partida de estreia do Brasil contra o Irã.

Revelado pelo Minas Tênis Clube e selecionado pelo Atlanta Hawks com a 47ª escolha geral no Draft de 2013 da NBA, Raulzinho foi negociado para o Utah Jazz logo em seguida. Depois de duas temporadas na Espanha, onde já vinha atuando desde 2011, o atleta rumou para os Estados Unidos.

Daí em diante, Raulzinho vivenciou uma sólida carreira na NBA, jogando pelo Utah Jazz e também por Philadelphia 76ers, Washington Wizards e, por último, pelo Cleveland Cavaliers.

Alternando momentos em que foi titular com períodos nos quais vinha do banco, Raulzinho se firmou como aquele armador competente que todo treinador gosta de ter em seu elenco, capaz de organizar o ataque e de contribuir efetivamente na defesa.

Depois de quase uma década na NBA, Raulzinho assinou, em agosto de 2023, um contrato com o Fenerbahçe, da Turquia, situação que levou muita gente a imaginar que ele teria, enfim, no basquete europeu, o protagonismo que sempre fez por merecer.

Assim como outros apaixonados, acordei bem cedo no sábado, dia 26 de agosto, para acompanhar o jogo da nossa seleção, que teve uma atuação bastante convincente na vitória por 100 a 59 sobre os iranianos. Quando Raulzinho se lesionou, todavia, a partida se tornou subitamente menos importante e a tristeza dele e dos demais atletas em quadra, inclusive da equipe adversária, se fez sentir em cada um de nós.

Após a confirmação do diagnóstico (ruptura do tendão patelar) e diante da gravidade da lesão, foi inevitável não lembrar de Ronaldo “Fenômeno”, cujo joelho, no já distante ano 2000, “se desfez” ao vivo e a cores sob os olhares de fãs em todo o planeta.

Como sabemos, Ronaldo se recuperou com muito sacrifício e deu a volta por cima. Foi peça fundamental no título conquistado pelo Brasil na Copa do Mundo de futebol em 2002 e transformou em realidade um improvável enredo, digno de uma produção hollywoodiana sobre a “jornada do herói”.

Além de ter se tornado o símbolo do pentacampeonato da mais famosa seleção do futebol mundial, Ronaldo seguiu tendo sucesso em clubes e nos negócios, jamais deixando o posto de ídolo nacional.

O desejo de todos nós é que Raulzinho, em um futuro breve, esteja representando novamente o Brasil em uma grande competição. Talvez ele se torne, assim como Ronaldo e guardadas as devidas proporções, um símbolo.

Raulzinho foi o atleta mais jovem da equipe que disputou o Mundial de basquete em 2010, tendo participado, com destaque, também da edição de 2014 da mesma competição. Além disso, ele esteve presente nos Jogos Olímpicos de 2012 e de 2016.

Contudo, em que pese essa notável trajetória com a camisa verde e amarela, o armador chegou a ser questionado publicamente por haver pedido dispensa da seleção em algumas convocações, algo que também acompanhou as trajetórias de outros jogadores da nossa “geração NBA”.

Chegamos a ter, na temporada 2015-16, 9 brasileiros em times da NBA. O mais veterano deles era Nenê Hilário, vaiado em pleno Rio de Janeiro no primeiro jogo da história da liga norte-americana no país. O motivo? O fato de haver pedido dispensas da seleção.

Hoje não temos mais nenhum brasileiro em um elenco principal da NBA. Nosso último representante era, justamente, Raulzinho, o que ilustra o quão difícil é, para um brasileiro, chegar e se manter na mais relevante liga de basquete do mundo.

Nesse contexto, será que as vaias a Nenê foram justas? Faz sentido imaginar que os pedidos de dispensa feitos por ele e por outros atletas, inclusive Raulzinho, não tiveram razão de ser diante daquilo que a NBA representava para as carreiras e para o futuro deles?

A questão é: até que ponto temos, do conforto dos nossos sofás e detrás de nossos teclados, reais condições de julgar um atleta que pede dispensa da seleção sem sabermos exatamente os porquês daquela determinada decisão?

Se um pedido de dispensa leva em conta o que é melhor e mais seguro para a carreira e para a saúde do atleta no longo prazo, é adequado rotularmos quem recusa uma convocação?

Não havia outro lugar em que eu desejava estar mais do que nesse campeonato mundial com essa seleção brasileira. Quem está do meu lado sabe disso. Uma lesão dessa dói. Mas uma lesão dessa no momento que aconteceu dói ainda mais”.

Eis as palavras de Raulzinho ao se pronunciar sobre o infortúnio que o tirou da Copa do Mundo… Alguém em sã consciência é capaz de afirmar que ele não gostaria, sempre que possível, de jogar por seu país?

Nos últimos tempos, temas como patriotismo e respeito à nacionalidade ganharam corpo no esporte e os “tribunais” das “redes antissociais” não hesitam em condenar com base em manchetes e “achismos”. A versão dos atletas, muitas vezes, nem chega ao conhecimento do público.

Se um jogador da atual seleção estivesse sem contrato para a próxima temporada e pedisse dispensa, por exemplo, ele certamente receberia duras reprimendas e talvez fosse até taxado como persona non grata para as convocações seguintes, independentemente dos porquês de sua decisão.

No entanto, quando um atleta se machuca seriamente, como ocorreu com Raulzinho, temos a chance de enxergar com mais clareza a legitimidade de pedidos de dispensa motivados por preocupações contratuais, as quais, em regra, são diretamente relacionadas às possibilidades de lesão.

É fato: atletas profissionais possuem carreiras curtas e, por isso, eles precisam priorizar a segurança contratual. Por mais honroso que seja defender a seleção de um país, há outros fatores em jogo, os quais envolvem não só o próprio atleta, mas também suas famílias.

Raulzinho estava para iniciar, após a Copa do Mundo, um novo capítulo em sua jornada. Depois de construir uma respeitável reputação nos Estados Unidos, ele se tornou um nome consolidado no basquete internacional e ainda terá plenas condições de conquistar muitas coisas, dentro e fora das quadras.

Agora se pergunte: e se essa infeliz lesão tivesse ocorrido em outro momento da carreira dele, em uma partida das Eliminatórias disputada enquanto o atleta estivesse em face de alguma indefinição contratual?

Episódios assim nos fazem refletir sobre empatia e sobre a necessidade de nos colocarmos no lugar do outro, a fim de tentarmos compreender os porquês das decisões de cada um.

É o esporte, mais uma vez, nos ensinando lições de vida. É a vida, mais uma vez, se fazendo explicar por meio do esporte.

Crédito imagem: FIBA/Divulgação

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.