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Conexões com o Velho Continente

Com a última escolha da primeira rodada do Draft da NBA, o ´jogo da América´, o Portland Trail Blazers seleciona Arvydas Sabonis, da União Soviética”.

O ano era 1986 e ainda vivenciávamos o contexto da Guerra Fria.

Foi assim, em tom de ironia ao referir-se ao basquete da NBA como “o jogo da América”, que o lendário Comissário David Stern anunciou a chegada de uma estrela soviética ao esporte norte-americano.

De fato, o basquete nasceu nos Estados Unidos. Curiosamente, no entanto, o inventor da modalidade foi um canadense, o professor James Naismith. Para completar a ironia, já havia um estrangeiro em quadra no primeiro jogo oficial da NBA, em 1946: o ex-soldado Hank Biasatti, combatente da 2ª Guerra Mundial, nascido na Itália e criado no Canadá.

Seria esse “tempero” internacional um presságio do que viria pela frente?

No ótimo The (Inter) National Basketball Association: How the NBA Ushered in a New Era of Basketball and Went Global, o jornalista Joel Gunderson registrou:

Quatro anos antes das Olimpíadas de 1992, a União Soviética, que levara para casa uma medalha de ouro (…) nas Olimpíadas de 1988 (…), começou a afrouxar suas restrições a jogadores de elite de países como a Lituânia e a ex-Iugoslávia (ambos conhecidos como terrenos férteis para jovens jogadores de basquete). O afrouxamento dessas restrições permitiu que estrelas como Dražen Petrović, Vlade Divac e um punhado de outros destaques do Leste Europeu rumassem para o oeste, para a América. Lá, eles não apenas se mostraram à altura dos gigantes da NBA, mas, em muitos casos, se mostraram tão talentosos, competitivos e habilidosos quanto seus colegas nascidos nos Estados Unidos.

Ninguém nega que o esporte da bola laranja passou a ser um fenômeno comercial em escala global muito graças à NBA e à participação do Dream Team nos Jogos Olímpicos de Barcelona, no ano de 1992.

Capitaneado por “Magic” Johnson e Larry Bird e exibindo para os quatro cantos do planeta o talento excepcional de Michael Jordan, aquele time histórico foi, provavelmente, o divisor de águas na integração entre o basquete jogado nos Estados Unidos e o basquete jogado no resto do mundo.

Porém, como já abordamos em outro texto aqui na coluna, se é verdade que a liga norte-americana e seus maiores astros tiveram um peso fundamental para o crescimento do basquete em outros países, também é verdade que a NBA deve boa parte de seu sucesso atual ao talento e ao carisma de atletas estrangeiros vindos da Ásia, da África, da América do Sul e, especialmente, da Europa.

Nada mais natural, então, do que voltarmos um pouco da nossa atenção também para o “Velho Continente”, como a própria NBA, aliás, vem fazendo de forma crescente.

Para tanto, convidamos para escrever conosco o amigo Vinicius Matosinhos, estudante de Direito e um dos responsáveis pelo incrível Tabela de Ferro, principal portal em língua portuguesa a cobrir o basquete europeu.

O basquete europeu há muito se destaca por ser uma das mais tradicionais “escolas” da modalidade, com equipes de alto nível e atletas de diversas origens.

Para os jogadores do Brasil, inclusive, a possibilidade de atuar em times europeus pode ser uma oportunidade única de desenvolver habilidades e crescer profissionalmente.

Nos últimos tempos, as portas para atletas brasileiros na Europa se abriram de vez com Yago Mateus dos Santos e Bruno Caboclo, campeões alemães no Ratiopharm Ulm. A equipe, que anteriormente já abrigara outro brasileiro, o pivô Cristiano Felício, contará, na próxima temporada, com Georginho de Paula.

Esses quatro jogadores, a propósito, integram o elenco da seleção brasileira que disputará a Copa do Mundo de Basquete entre 25 de agosto e 10 de setembro no Japão, Indonésia e Filipinas.

Para além dos brasileiros, o êxodo de outros atletas sul-americanos para a Europa aumentou extraordinariamente. Às vezes, algum país europeu é a “parada” final. Outras vezes, a aventura europeia é uma “escada” para a NBA, como no caso dos argentinos, que têm apostado nessa estratégia para se destacar e ganhar protagonismo esportivo antes de chegar aos Estados Unidos.

Por um lado, se a NBA se beneficia de cerca de uma centena de estrangeiros de mais de 40 nacionalidades, o basquete europeu também sai ganhando nessa equação, ostentando grandes nomes e até capitães que não nasceram na Europa ou nos Estados Unidos, algo que era incomum no passado.

A parcela de contribuição do Brasil nesse movimento é expressiva, com destaque para as passagens de Oscar Schmidt pela Itália nos anos 80 e de “Magic” Paula pela Espanha entre 1989 e 1990, culminando com a geração de Anderson Varejão, Guilherme Giovannoni, Tiago Splitter e Marcelinho Huertas, vitoriosa e merecedora de idolatria em terras europeias muito antes do “furacão verde-amarelo” de Yago e Caboclo na Alemanha.

Naturalmente, tal intercâmbio não existiria sem o Direito Desportivo, sendo que a gestão jurídica das transferências internacionais apresenta desafios que exigem uma compreensão profunda de diversas regulamentações.

Desde a relação entre ligas privadas, federações nacionais e a Federação Internacional de Basquete (FIBA) até a validação de documentos e a obtenção de vistos de trabalho, os atletas e as equipes precisam de assessoria jurídica especializada para que sejam atingidos os objetivos esportivos almejados com a contratação de um estrangeiro.

Além de estabelecer critérios específicos para a regularidade das transferências do ponto de vista contratual e de certificação, a FIBA, por meio do Basketball Arbitral Tribunal (BAT), também pode intervir em litígios entre jogadores, agentes e equipes.

Isso não exclui a existência de normatizações próprias feitas por ligas independentes, como a Euroleague Basketball e a Liga ACB, e tampouco a atuação do Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) em questões relacionadas ao basquete. Uma curiosidade: em maio de 2023, o brasileiro Leonardo Andreotti deixou a presidência do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) da Liga Nacional de Basquete (LNB) para se tornar árbitro do TAS.

Sem o Direito Desportivo, nada disso seria possível e nem mesmo problemas como o desalinhamento de calendários e o desarranjo na economia do esporte em razão da pandemia de Covid-19 conseguiriam ser superados.

É pelo uso das ferramentas do Direito Desportivo que hoje temos, em uma ponta, jogadores conhecidos como Goran Dragic, os irmãos Hernangomez e Ricky Rubio voltando à Europa após um longo período na NBA; e, na outra ponta, fazendo o caminho inverso de desembarcar na NBA depois de disputar temporadas europeias, o fenômeno francês Victor Wembanyama e atletas consagrados como Sasha Vezenkov (cipriota naturalizado búlgaro) e Vasilije Micić (sérvio).

Como se percebe, o “Velho Continente” também é um rica fonte de informações no que se refere à interseção entre o basquete e o Direito Desportivo.

Crédito imagem: Milos Vujinovic/SOPA Images/LightRocket via Getty Images

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