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Do sportainment à autorregulação, o que vem sendo feito pelas ligas esportivas dos Estados Unidos

Não é preciso ser muito perspicaz para perceber que, na atualidade, esporte e entretenimento se misturam cada vez mais. Dá-se a tal fenômeno a alcunha de sportainment.

É bem provável, por exemplo, que um observador casual do noticiário esportivo se depare com matérias sobre o “efeito Taylor Swift” na NFL ou sobre a nova série dramática da Netflix que retratará a vida de Ayrton Senna. Há alguns anos, Taylor Swift e Netflix dificilmente estariam no caderno de esportes do jornal…

Hoje, porém, as plataformas de streaming oferecem inúmeras opções para quem gosta de filmes ficcionais ou de documentários sobre atletas, treinadores e equipes das mais diversas modalidades.

O esporte está na moda. Às vezes, o esporte é a moda.

Os principais produtores de conteúdo digital, por meio dos sistemas OTT (over-the-top), vêm desbravando, de modo crescente, o cenário das transmissões ao vivo de eventos esportivos, como foi o caso da recente luta entre Mike Tyson e Jake Paul.

E, nos últimos dias, para o bem e para o mal, o amálgama entre esporte e entretenimento se fez fortemente presente na mídia norte-americana.

Seguindo a tendência das transmissões alternativas, a NBA e a Disney anunciaram que, na rodada de Natal, a partida entre New York Knicks e San Antonio Spurs poderá ser assistida de maneira diferente pela ESPN+, pela ESPN 2 e pelo Disney+.

Utilizando uma tecnologia desenvolvida pela Sony, as ações reais do jogo serão transportadas para um cenário virtual que reproduzirá as instalações de uma área do parque Magic Kingdom, ambiente no qual Mickey, Minnie, Donald, Pluto e Pateta irão torcer pelos jogadores e fazer comentários sobre basquete. No intervalo, os tradicionais personagens participarão de um concurso de enterradas.

As atrações não param por aí: enquanto Papai Noel e seus ajudantes “trabalharão” como operadores de câmera, Margarida será uma das repórteres de quadra.

Algo assim não é exatamente uma novidade. Em 2021, a NBA e a Disney utilizaram super-heróis da Marvel em uma transmissão.

No mesmo ano, a NFL e a CBS produziram uma versão estilizada da partida entre Chicago Bears e New Orleans Saints, veiculada pelo canal infantil Nickelodeon. A repercussão foi bastante positiva e o projeto foi replicado nos playoffs da temporada 2021-22 (San Francisco 49ers x Dallas Cowboys), em jogos de Natal nas temporadas 2022 (Denver Broncos x Los Angeles Rams) e 2023 (Las Vegas Raiders x Kansas City Chiefs) e, por fim, na última edição do Super Bowl, evento que, sem dúvida, representa o estado da arte para o sportainment.

Em todas essas oportunidades, figuras da cultura pop estrelaram ao lado dos atletas. Para ilustrar, o duelo entre San Francisco 49ers e Kansas City Chiefs no Super Bowl Super Bowl LVIII foi transmitido no universo do personagem Bob Esponja.

Nessa mesma linha, em outubro de 2023, a NFL, a Disney e a Pixar haviam se juntado para colocar os personagens da franquia Toy Story em transmissão alternativa de Atlanta Falcons x Jacksonville Jaguars.

No próximo dia 9 de dezembro, o Monday Night Football entre Cincinnati Bengals e Dallas Cowboys será também o The Simpsons Funday Football, com Homer, Bart e companhia aparecendo no Disney+ e na ESPN+ durante o jogo.

Por fim, uma partida da rodada Wild Card na atual temporada também será transmitida nesses moldes, com detalhes ainda a serem divulgados.

Trata-se de um caminho sem volta, quer você goste ou não.

Mudando de assunto, mas nem tanto, quem também pode ter entrado em um caminho sem volta é a Rimas Sports, agência de representação de atletas de beisebol sediada em Porto Rico.

Conforme matéria publicada pelo Sportico, a MLBPA, associação responsável pela defesa dos interesses de cerca de seis mil jogadores, solicitou a um tribunal de Nova York a confirmação de uma sentença arbitral proferida contra o agente William Arroyo e contra outros dois candidatos a agentes, Noah Assad e Jonathan Miranda.

Os três teriam violado normas que proíbem a utilização de incentivos para convencer atletas a assinar com uma determinada agência. Investigações conduzidas sem a cooperação dos acusados constataram que ingressos para shows e para jogos da NBA, transporte e hospedagem gratuitos e até mesmo empréstimos eram utilizados para “seduzir” jogadores que estavam sendo recrutados.

O que isso tem a ver com o sportainment? Bom, você poderia ler essa notícia tanto em um portal esportivo quanto em um portal sobre música, já que a Rimas Sports é diretamente ligada a Bad Bunny, nome artístico de Benito Antonio Martinez Ocasio, um rapper, cantor e compositor porto-riquenho frequentemente visto em jogos da NBA (inclusive, é possível utilizar o avatar dele no jogo de videogame NBA 2K24).

Após a aplicação de uma multa de US$ 400 mil, da revogação da certificação de agente de Arroyo e da negativa de credenciamento de Assad e Miranda, a sentença arbitral proferida após a coleta de centenas de provas, incluindo a oitiva de oito testemunhas, considerou que as infrações, de fato, ocorreram.

Na defesa, Arroyo, Assad e Miranda, além de alegar que não teriam causado nenhum prejuízo aos jogadores “agraciados”, argumentaram não estar “conscientemente cientes das irregularidades”, uma vez que seriam apenas uma “agência jovem tentando começar em um campo altamente regulamentado”.

Pelas regras legais, a MLBPA tem o direito de solicitar, como fez, a confirmação judicial da sentença arbitral. Porém, se esse pedido for negado, os acusados poderão, em tese, se recusar a cumprir as determinações.

A estratégia da MLBPA pode envolver o chamado forum shopping, pois a associação talvez tema que os sócios da Rimas Sports busquem anular a sentença arbitral em algum outro tribunal federal.

Curiosamente, o advogado da MLBPA nesse caso é Jeffrey Kessler, mesmo profissional que trabalhou para Tom Brady quando o ex-quarterback, agora comentarista e dono de equipe, envolveu-se no imbróglio que ficou conhecido como Deflategate.

Na ocasião, Brady e integrantes do New England Patriots foram punidos pela NFL por, supostamente, manipular de forma irregular a pressão das bolas de futebol americano utilizadas em uma partida de final de conferência contra o Indianapolis Colts em janeiro de 2015.

A sentença arbitral proferida pelo Comissário Roger Goodell, em seu papel de júri, juiz e executor, foi contestada por Tom Brady em um tribunal federal de Minnesota. Concomitantemente, a liga havia pedido que um tribunal federal de Nova Iorque validasse a decisão.

O fato é que, ao não requerer confidencialidade para a sentença arbitral que condenou os sócios da Rimas Sports, a MLBPA demonstrou querer passar um recado aos agentes: adequem-se ou haverá consequências.

É o mercado esportivo se autorregulando ou, no mínimo, tentando se autorregular. E nesse processo, por via reflexa, influenciando a atividade legislativa.

Em artigo publicado no Sports Business Journal sobre o tema da (auto)regulação promovida pelas principais ligas esportivas norte-americanas, o jornalista Bill King escreveu:

Seis anos após os primeiros estados legalizarem as apostas esportivas, todas as cinco recomendações [apresentadas por Adam Silver, Comissário da NBA, em coluna veiculada em 2014 no New York Times] se tornaram mandatórias nos Estados Unidos: licenciamento para garantir que os operadores de apostas sejam idôneos; verificação de idade para bloquear apostas de menores; restrição geográfica para garantir que as apostas estejam disponíveis apenas onde forem legalizadas; mecanismos para excluir pessoas com problemas de jogo somados à promoção dos hábitos de jogo responsável; e monitoramento e relatórios obrigatórios de movimentos incomuns nas linhas de apostas.

Embora a NBA, a MLB, a NFL e outras ligas tenham pressionado no Congresso pela supervisão federal das apostas esportivas, isso nunca aconteceu. Ainda assim, as ligas obtiveram tudo o que Silver expôs naquele artigo – e outras questões pelas quais mais tarde fizeram lobby – por meio de uma combinação de regulamentação dos estados e acordos comerciais firmados com casas de apostas esportivas.

(…)

Alguns estados adotaram as considerações de integridade das ligas, concedendo acesso a informações anônimas usadas para identificar e investigar atividades suspeitas e exigindo que as casas de apostas utilizassem dados oficiais (…).

No final, as ligas conseguiram tudo [o que queriam] por meio de acordos com operadoras autorizadas que concedem às casas de apostas o direito de usar a propriedade intelectual (…), de anunciar em jogos e de firmar contratos de patrocínio, desde que concordem em pagar pelos dados oficiais das respectivas ligas e [em adotar] as medidas de integridade que muitos estados recusaram.

Embora as siglas variem, todas as principais ligas agora possuem alguma versão dos programas lançados inicialmente pela NBA e pela MLB. (…) Embora a NFL não estivesse entre as ligas que defendiam uma taxa de integridade, (…) a sua posição em questões como a partilha de informações e a contribuição sobre os tipos de apostas válidos está em consonância com o que é adotado por suas coirmãs.

(…)

‘Há um alto grau de sobreposição entre o que vemos nos regulamentos e o que mantemos para os parceiros comerciais, disse David Highhill, gerente geral de apostas da NFL. ‘Achamos que uma abordagem [por meio da qual] você possa cobrir o maior número possível de lugares é a abordagem certa para nós’.

Questionado se suas opiniões sobre apostas esportivas haviam mudado desde que escrevera o artigo (…), Adam Silver disse que elas evoluíram em alguns aspectos – com uma exceção digna de nota: ‘Uma coisa sobre a qual não mudei de opinião, mas estou tentando ser realista, é que eu era a favor de uma estrutura federal para apostas esportivas. Ainda sou. Acho que a confusão de estado para estado torna mais difícil a administração [da questão]”.

Como se vê, do sportainment à autorregulação, as principais ligas esportivas dos Estados Unidos são um manancial infinito para quem gosta de negócios no esporte e Direito Desportivo.

Crédito imagem: Disney

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