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Mais jogos e mais dinheiro? Ou menos jogos e mais saúde?

Há algum tempo se comenta, nos bastidores da NFL, a possibilidade de ampliação do calendário da temporada regular, que passaria a ter 18 partidas, e não mais 17, como acontece desde 2021.

Embora o atual acordo coletivo de trabalho firmado entre a liga e a associação dos atletas, documento que teria de prever essa alteração, tenha vigência até 2030, existem pressões para que as discussões acerca da quantidade de jogos sejam antecipadas.

Uma pesquisa feita pelo The Athletic, à qual 108 jogadores responderam anonimamente, demonstrou, contudo, que 59,3% deles seriam contrários à mudança no calendário, enquanto apenas 26,9% seriam a favor, com 13,9% de indecisos.

A principal razão pela qual a maioria dos atletas recusa a ideia é, naturalmente, a saúde. Principalmente a física, mas também a mental.

Algumas das frases ditas pelos entrevistados foram:

Não. Claro que não. É muito para os nossos corpos.

Não. O dinheiro não vale a pena.

Não, porque os jogadores mal chegam aos 17 jogos [saudáveis]. Então, [se aumentarmos para 18], não sabemos que tipo de implicações isso terá a longo prazo. (…) Fisicamente, acho que é demais. Sei que do ponto de vista da NFL eles veem o dinheiro, mas muitas estrelas sofreriam lesões.

Em texto anterior da coluna, no qual tratamos do recorrente tema das concussões, trouxemos um trecho do livro Playmakers: How the NFL Really Works (And Doesn’t), do jornalista Mike Florio, que ilustra bem a realidade vivida por um atleta da NFL ao longo de uma temporada (e de uma carreira) no futebol americano:

Imagine-se saindo de casa depois do jantar. O ar está esfriando após um dia quente. Há um pouco de brisa. Você está parado a dois metros de distância da garagem. Agora, corra. Corra o máximo que puder, direto em direção à porta da garagem. E choque-se contra ela. Levante-se. Você está bem? Quem se importa além de você, não é? Volte e faça de novo. Faça isso novamente. E de novo. E de novo. Depois de fazer isso cerca de cinquenta vezes, você se sentirá como um jogador da NFL depois de um jogo.

Agora, faça isso todos os domingos (mais talvez uma quinta-feira ou uma segunda-feira ou um sábado) pelas próximas dezoito semanas. Não se preocupe. Você terá uma dessas semanas de folga para descansar – até conseguir continuar fazendo isso mais um pouco. E se você fizer isso muito bem, você vai conseguir fazer ainda mais. Mais três ou quatro fins de semana.

Faça isso de setembro a janeiro e você começará a entender a vida na NFL. Nos condicionamos ao longo dos anos a pensar que é só brilho e glamour e riqueza e luxo e tudo o que é bom e invejável. Não é. É dor e é agonia e são cirurgias e é pressão e é estresse e é todo mundo que você conhece querendo um pouco do que você tem, algo muito diferente da vida divertida e emocionante que uma nação ressentida de fãs acredita que exista.

Agora, volte para a sua garagem. E antes de correr para se chocar com a porta, finja que está fazendo isso na frente de sessenta e cinco mil pessoas. Metade do tempo, quando você joga em casa, elas vão te amar (a menos que pensem que você é péssimo). Na outra metade do tempo, quando você joga como visitante, elas vão te odiar (especialmente se souberem que você não é péssimo).  

Milhões de outras pessoas assistirão pela TV. Algumas apostarão dinheiro no resultado do jogo. Outras dezenas de milhares ´possuirão´ você no fantasy e precisarão que você marque um touchdown, ou três. Um número ilimitado de idiotas nas redes sociais irá insultar você, sua esposa, sua mãe, seus filhos. Vão ameaçar matá-lo, ou matá-los, se você não jogar direito. Bem-vindo à vida real de um jogador da NFL. Bem-vindo às horas gastas tentando consertar um corpo quebrado (…). Bem-vindo aos desafios de atingir seu potencial máximo bem antes do seu vigésimo quinto aniversário. E às demandas de familiares e amigos que acreditam que a fonte de dinheiro durará para sempre, ou pelo menos muito mais do que realmente durará.

Bem-vindo à vida como uma vela que queima rapidamente. Um ano? Dois anos? Três? Quatro? Cinco, talvez. (…)

(…) isso é apenas um pedaço da vida como jogador da NFL. Para quase todos, chegar lá é a realização de um sonho. Esse sonho pode rapidamente se tornar um pesadelo de muitas maneiras, especialmente depois que os jogadores se aposentam para enfrentar décadas de preocupação com possíveis problemas físicos e cognitivos nos quais eles sequer teriam pensado se o sonho de infância fosse outro.

Embora o sucesso em qualquer esporte profissional traga muitos dos problemas que os jogadores da NFL enfrentam, poucos esportes cobram um preço físico tão extremo quanto o futebol americano. A ponto de alguns atletas se perguntarem: valeu a pena?

Além do desgaste físico e psicológico, jogadores que participaram da pesquisa também apontaram outro relevante fator como razão para não serem favoráveis ao acréscimo de uma 18ª partida ao calendário da temporada regular: o conceito econômico de escassez.

Um dos atletas ouvidos comentou:

O que torna o futebol americano ótimo é que há tão poucos jogos, [de modo que] cada jogo importa como 10 jogos de beisebol ou 5 jogos de basquete. Então, todos eles importam [na NFL].”

Como também já mostramos aqui, a NBA é outra liga que enfrenta o dilema entre maximizar os lucros ou, por meio do load management, minimizar o desgaste dos atletas, de maneira que as principais estrelas do esporte estejam disponíveis nos momentos mais decisivos das competições (e por um tempo mais longo no curso das respectivas carreiras).

O desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre a percepção de valor do produto, alimentada pela escassez de jogos e pela presença dos jogadores mais importantes, e os interesses comerciais não só da liga, mas também dos próprios atletas, que entendem a influência que uma partida a mais pode representar no tamanho da “fatia do bolo” que será atribuída a eles.

Nesse particular, as palavras dos jogadores da NFL entrevistados pelo The Athletic foram:

Sou a favor se isso significar mais participação na receita para os jogadores e se houver uma semana de folga adicional na temporada.

Se isso significar mais dinheiro, eu concordo. Muito mais dinheiro, no entanto. Não apenas [um cheque em relação a esse] jogo adicional. E duas semanas de folga.

Sim, mas somente se o salário, independentemente da inflação, for refletir isso. E se for aumentada a quantidade de atletas [aptos a treinar]. (…) Sempre penso nos pequenos, então estou olhando para salários mínimos e jogadores [que não são estrelas e sequer integram as equipes convocadas para as partidas].”

Na divisão das receitas geradas pela NFL, os jogadores têm direito a 48,8%, enquanto os proprietários das equipes recebem 51,2%.

Essa repartição do dinheiro teria de ser sensivelmente alterada em um novo acordo coletivo de trabalho para que uma 18ª partida de temporada regular pudesse ser acomodada no calendário.

Durante reunião da liga em maio deste ano, Roger Goodel, Comissário da NFL, declarou:

O mais importante para nós é garantir que continuemos fazendo as coisas que tornam nosso jogo mais seguro. Dezessete jogos é uma temporada longa, então queremos ter certeza de que olhamos para isso [ao mesmo tempo em que] continuamos [implementando] esforços [em prol] da segurança. (…) Chegaremos a um acordo [com a associação dos atletas] se formos prosseguir com isso. Mas também temos de nos preocupar com a qualidade do nosso jogo. Faríamos isso [aumentar a quantidade de partidas da temporada regular] no contexto de reduzir o número de jogos de pré-temporada. Achamos que é uma boa troca: menos jogos de pré-temporada e mais jogos de temporada regular. Acho que a maioria das pessoas pensaria que isso seria benéfico.

Mais jogos e mais dinheiro? Ou menos jogos e mais saúde? Colocando todos os fatores na balança, a resposta “certa” jamais poderá ser simplória.

Afinal, menos jogos e mais saúde também podem significar mais dinheiro, na medida em que o resultado da equação tende a ser um melhor produto para os fãs e consumidores do esporte.

Por sua vez, um melhor produto para os fãs e consumidores do esporte certamente será também um produto mais valioso para a liga e para os próprios atletas.

Na economia e na percepção de valor, escassez importa. Muito.

Como se diz, existem dois jeitos de não se ver alguma coisa: quando ela é rara e quando ela é abundante.

Que a NFL, franquias e atletas, saibam fazer a melhor escolha.

Crédito imagem: Bruno Rouby/Yahoo Sports

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