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(Não é) um domingo qualquer

Foi uma semana incrível para o fã da NBA. Em um intervalo de poucos dias, tivemos a aprovação da venda do Phoenix Suns pelo maior valor da história da liga, o recorde batido por LeBron James e trocas de jogadores relevantes, que movimentaram a mídia e redesenharam os rumos da temporada dentro de quadra.

Enfim, o mote de “liga que não para” nunca fez tanto sentido e não faltaria assunto relacionado à NBA para ser explorado por aqui.

Porém, é inevitável tratamos, nesta coluna, de um outro tema: o domingo de Super Bowl. Afinal, este não é um domingo qualquer…

No final da década de 1990, mais precisamente em 1999, o consagrado diretor Oliver Stone filmou uma história ficcional que retratou com realismo os bastidores de uma franquia da NFL. No longa metragem Um Domingo Qualquer, que inspira o título deste texto, o treinador Tony D´Amato, interpretado por Al Pacino, enfrenta uma crise no comando do Miami Sharks (uma clara alusão ao Miami Dolphins), tendo de lidar, sobretudo, com as tensões causadas por Christina Pagniacci (Cameron Diaz), proprietária e nova responsável pelo marketing da equipe, e com a ausência de seu quarterback titular (papel de Dennis Quaid).

Se nunca viu o filme, e recomendo que você veja, é possível que conheça ao menos um trecho dele: o discurso motivacional que o personagem de Al Pacino faz para os jogadores no vestiário.

O título da obra audiovisual vem de uma expressão popular que reflete o equilíbrio competitivo da NFL: em um domingo qualquer, não há time na liga que não possa ser derrotado por qualquer outra das 31 equipes que disputam o campeonato.

Bom, se isso é verdade, também é verdade que não é necessário muito esforço para explicar o porquê de o domingo do Super Bowl não ser um domingo qualquer.

Em interessante artigo no The Athletic, o jornalista Bill Shea brincou com o fato de a partida decisiva da NFL ser um evento imbatível em termos de audiência na televisão norte-americana, sugerindo que ele só poderia ser superado por algum jogo de soccer (como a final da Copa do Mundo de 2026, que será disputada nos Estados Unidos) ou pela transmissão ao vivo de uma invasão alienígena.

No texto, partindo da certeza de que a audiência da FOX com a partida entre Kansas City Chiefs e Philadelphia Eagles pelo Super Bowl LVII certamente será a maior do ano na “América”, Bill Shea sugere:

(…) há muitos exemplos de eventos que podem atrair um grande público, especialmente tragédias e notícias de última hora que teriam cobertura em vários canais, e não apenas em uma única rede.

Só que ninguém estará vendendo espaços publicitários durante um ataque terrorista, um desastre natural ou algum outro evento trágico (…).

Os anúncios do jogo deste ano foram vendidos por mais de US$ 6 milhões, e alguns por mais de US$ 7 milhões, por 30 segundos. A FOX espera arrecadar US$ 600 milhões com a partida.

A vitória do Rams sobre o Bengals no Super Bowl LVI teve uma média de 112,3 milhões de telespectadores na NBC, com 99,1 milhões na transmissão tradicional de TV e o restante via streaming e plataformas digitais. Ocorre que a própria NFL disse que um estudo posterior em parceria com a Nielsen apurou que o total pode ter chegado a mais de 208 milhões de telespectadores (…).

A última transmissão de TV a ultrapassar o Super Bowl em um ano civil foi o final da série MASH, em fevereiro de 1983, com média de 105,97 milhões de telespectadores na CBS (…). O Super Bowl XVII daquele ano, em 30 de janeiro na NBC (vitória de Washington por 27 a 17 sobre Miami), teve uma média de 81,7 milhões de telespectadores.

(…) Já a menor audiência do Super Bowl desde esse episódio de MASH foi o Super Bowl XXIV de 1990, com média de 73,85 milhões de espectadores, segundo a Nielsen. A maior foi de 114,44 milhões de telespectadores no Super Bowl XLIX, em 2015.

A indústria televisiva dos EUA mudou radicalmente desde 1983, com uma proliferação em massa de canais a cabo, internet e outras opções alternativas de entretenimento, mais o aumento do streaming que está matando a TV paga. (…)

De qualquer forma, voltando ao nosso exercício de imaginação, o que seria necessário para o Super Bowl perder o trono em relação à audiência?

‘Obviamente, uma crise ou tragédia nacional poderia competir, mas acho que vai demorar muito até que qualquer evento planejado supere o Super Bowl’, diz Michael MacCambridge, autor do livro de 2004 ‘America’s Game: The Epic Story of How Pro Football Captured a Nation’.

‘É o programa de TV mais assistido a cada ano para os homens. Mas também para as mulheres (superando facilmente o Oscar, por exemplo) e praticamente todos os outros dados demográficos que você pode imaginar. A combinação do show do intervalo e o forte impulso na publicidade (…) tornam o evento uma festa que fãs casuais e não fãs ainda procuram. Isso o faz ser o jogo da NFL que menos se parece com um jogo da NFL, mas é difícil argumentar qualquer coisa negativa em face dos números que ele atrai’.

(…) As mudanças nas tendências e preferências também afetam outras programações, diz Jon Lewis, fundador do Sports Media Watch, um site que acompanha a audiência de esportes ao vivo desde 2006.

‘Se o Super Bowl está em declínio, todo o resto também está. Se um dia o Super Bowl tiver 20 milhões de espectadores, isso significa que estamos em um cenário pós-apocalíptico e que todo o resto também tem um público menor’.

Patrick Crakes, analista da indústria de mídia e ex-executivo da Fox Sports, complementa: ‘Um ajuste no modelo geral de negócios daqui a uma década que resulte no Super Bowl atrás de um paywall de streaming (muito, muito) caro, de forma exclusiva, poderia reduzir a audiência e aproximá-la de outros eventos de elite. (…) Dito isso, independentemente de como o desgaste das transmissões ocorra na próxima década, aposto US$ 100.000 que a única coisa capaz de tirar o Super Bowl do trono seria algo como o pouso de alienígenas na Terra. Mesmo assim, se forem espertos, eles pousarão durante o Super Bowl’.

Já tratamos, em texto anterior da coluna, da tendência de migração em massa das transmissões esportivas para o streaming, sobretudo para atrair o público mais jovem.

Pudemos acompanhar esse fenômeno de perto durante o ano de 2022, em que o influenciador Casimiro transmitiu pela internet 16 partidas do Campeonato Carioca, jogos do Athletico-PR como mandante no Campeonato Brasileiro e 22 confrontos da Copa do Mundo do Qatar, com audiência históricas no YouTube.

Seguindo essa tendência, neste domingo, 12 de fevereiro de 2023, o Star+ transmitirá o Super Bowl de forma online para o mercado brasileiro. A plataforma tem apostado em diferentes estratégias de divulgação, como conteúdos patrocinados no Nerdcast com a presença de figuras já bem conhecidas entre os fãs da NFL, casos de João Paulo Miguel, o JP, do 10 Jardas, e Raphão Martins, hoje diretamente vinculado à NFL Brasil.

Por outro lado, a RedeTV!, que fechou um contrato de exclusividade com a NFL para transmissões em TV aberta no Brasil até 2025, também investiu pesado na cobertura do evento deste ano, com o envio de correspondentes para acompanhar in loco a partida, e o apoio de grandes patrocinadores, como Diageo, Vivo, Popeyes, Sky, New Era, Amazon e Apple.

O canal aberto está igualmente envolvido no NFL in Brasa, primeira live experience oficial da NFL no Brasil e maior evento do Super Bowl realizado fora dos Estados Unidos. A viewing party promete unir esporte e entretenimento por meio de experiências gastronômicas, sensoriais e musicais aproveitando a atmosfera do futebol americano.

Além da batalha pela atenção do fã entre veículos tradicionais e plataformas de streaming, o Super Bowl deste domingo chama a atenção por um outro fator significativo para aqueles que se dedicam ao direito desportivo e aos negócios no esporte: pela primeira vez na história, a partida final da temporada da NFL será disputada em um estado (Arizona) no qual as apostas esportivas são legais. O State Farm Stadium, em Glendale, inclusive, possui a sua própria casa de apostas.

O Arizona é um dos 33 estados norte-americanos (mais Washington, D.C.) em que existe um mercado legal de apostas esportivas ao vivo, ocupando entre eles o 10º lugar no total de apostas válidas. Segundo a American Gaming Association, espera-se que 50,4 milhões de adultos nos Estados Unidos apostem cerca de US$ 16 bilhões no Super Bowl LVII, o que representaria, tanto em números absolutos de apostadores quanto em volume financeiro, aproximadamente o dobro do recorde batido no jogo do ano passado.

A NFL, que já foi bastante refratária a se envolver com apostas esportivas por receio de que eventual manipulação de resultados pudesse manchar de forma indelével a sua credibilidade, abraçou de vez esse mercado em 2021, quando fechou acordos com quase uma dezena de parceiros comerciais do segmento.

Além do dinheiro vindo diretamente desses parceiros, a liga mira os 34% de torcedores que afirmam considerar mais emocionante a experiência de acompanhar os jogos em virtude da expansão das apostas relacionadas a eles.

Eis, dentre outros atributos, o que é o Super Bowl: o estado da arte do sportainment, uma “galinha dos ovos de ouro” da indústria das telecomunicações e um imenso (e crescente) desafio do ponto de vista da integridade no esporte.

Não, definitivamente, este não é um domingo qualquer.

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Daniel Alexandre Portilho Jardim é graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Master of Laws (LL.M) em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/MG, especialista em Negócios no Esporte e Direito Desportivo e professor do MBA em Negócios no Esporte e Direito Desportivo do Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN), onde ministra a disciplina “Modelo de negócios das ligas esportivas norte-americanas”. É também sócio-fundador do Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria (www.lageportilhojardim.com.br) e editor-chefe do blog Negócios no Esporte (www.negociosnoesporte.com).

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