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Uma lenda em seu próprio quintal

As finais da NBA começaram. Frente a frente, Denver Nuggets e Miami Heat duelarão pela honra de erguer o troféu Larry O´Brien, conquistado na temporada passada pelo Golden State Warriors, franquia mais bem-sucedida da última década.

Por mais que os louros do sucesso do Warriors normalmente recaiam, com justiça, sobre Stephen Curry, o maior arremessador que o mundo já viu, ou sobre os seus companheiros de quadra Klay Thompson e Draymond Green, ou ainda sobre o treinador Steve Kerr, um nome deve ser sempre lembrado como parte relevante das glórias recentes da equipe de Oakland/San Francisco: Bob Myers.

Formado em Business and Economics por UCLA, onde também jogou basquete com relativo sucesso, Bob Myers estudou Direito na Loyola Law School, tendo começado a carreira no mercado esportivo em 1997, como estagiário do consagrado agente Arn Tellem.

Depois de se tornar um especialista em negociação de contratos e recrutamento de atletas, Myers trabalhou como agente por 14 anos, construindo um portfólio de clientes que, juntos, faturaram mais de US$ 575 milhões na NBA.

Em abril de 2011, Myers foi contratado pelo Golden State Warriors como assistente do então General Manager Larry Riley, tendo sido escolhido, cerca de 12 meses depois, para substituir o antigo chefe.

Eleito o Executivo do Ano da NBA após a temporada regular de 2014-15, quando venceu o primeiro dos 4 títulos obtidos pela franquia em 8 anos, Myers, que anunciou sua saída do Warriors no último dia 30 de maio, é tido por muitos como o grande arquiteto de uma equipe que passou a figurar em qualquer lista de “maiores de todos os tempos”.

Um detalhe bem legal é o fato de Bob Myers ser um torcedor que pôde ajudar o time do coração a viver a melhor fase de sua história, como descreveu Marcus Thompson II em matéria do The Athletic:

Ele se tornou uma lenda em seu próprio quintal. Ele se tornou uma pedra angular para a equipe que amava. Ele deixou a carreira de agente e correu atrás de um sonho (…).

Aqueles com idade suficiente para saber o quão desamparados eram os fãs do Warriors podem entender a improbabilidade do que eles se tornaram. Aqueles que antecederam a glória do presente compreendem o valor [do trabalho de Bob Myers].

Não se deixe enganar pelos ternos italianos e pelo corte de cabelo caro. (…) Myers era sutil o bastante para se mover entre a elite e se encaixar no maior dos palcos ao mesmo tempo em que trabalhava bem nos bastidores, preferindo até as sombras. (…) Respeitado pelas pessoas que mais importam e subestimado por muitos que não importam. (…)

Duas coisas acabam sendo menosprezadas na era Myers. A primeira delas é o quanto a sua ideologia de basquete está embutida no estilo de jogo do Warriors. (…) Ele era inteligente o suficiente para se cercar de pessoas inteligentes, para entender e ouvir e construir uma filosofia executável. O outro elemento negligenciado é a sua capacidade de negociação. (…) No mandato de Myers, o Warriors raramente perdeu batalhas na hora de assinar contratos.

(…) Ainda assim, o maior atributo de Myers era como ele gerenciava. Ele era a argamassa no impressionante mosaico do Warriors. Sua inclinação para os relacionamentos e sua capacidade de se conectar (…) não apenas impediram a combustão, mas promoveram um ambiente do qual as pessoas queriam fazer parte. É, definitivamente, um mérito de Curry e Kerr, da vibração da Bay Area e do alto nível de exigência dos donos da franquia. Mas Myers estava envolvido em tudo. É por isso que as coisas serão diferentes agora que ele se foi. O quão diferentes? Ainda não sabemos. Mas a sua partida será sentida. (…)

Myers sai como um nome que nunca será esquecido neste canto do país e com um canhoto de ingresso ainda em sua carteira de seu primeiro jogo do Warriors”.

Além de ter participado diretamente das escolhas de Klay Thompson e Draymond Green no Draft e da contratação de Steve Kerr para treinar a equipe, Bob Myers é apontado por Joe Lacob, um dos proprietários do Warriors, como a peça central no recrutamento de Kevin Durant, um movimento que modificou profundamente os rumos e horizontes da NBA.

No interessante livro Betaball: How Silicon Valley and Science Built One of the Greatest Basketball Teams in History, o jornalista Erik Malinowski relata:

Quando Bob Myers se tornou um agente (…) no final dos anos 90, ele aprendeu rapidamente que o Warriors não tinha a reputação mais imaculada da liga. (…) Parte dessa percepção se devia a negociações malfeitas conduzidas pelas diretorias anteriores; parte se devia ao fato de, por muito tempo, o Warriors ter sido um dos piores times da NBA (…). Uma coisa curiosa acontece, porém, quando você muda de dono, contrata um grupo de executivos competentes e começa a ganhar jogos suficientes para parecer um time competitivo a cada ano. (…).

A primeira pista que Myers recebeu de que o Warriors poderia [conseguir contratar Kevin Durant] foi na tarde de domingo, 3 de julho de 2016, quando Durant ligou para ele para conversar. (…) A única parte daquela ligação da qual Myers se lembra foi quando Durant disse algo como ‘Então, quando eu for…’.

Mesmo com rumores circulando na noite de domingo de que Durant estava se inclinando para o Golden State, Myers decidiu esperar pela ligação oficial, que viria na manhã seguinte.

Finalmente, um pouco depois das 8h, em 4 de julho, Myers estava vagando do lado de fora da casa de seus sogros quando seu telefone celular tocou. Era Rich Kleiman, agente de Durant. ‘Você tem um segundo para falar com Kevin?’. Myers preparou-se para as más notícias. Durant atendeu. ‘Eu só quero dizer que vocês são uma organização de primeira classe e eu aprecio todas as coisas que vocês são e quem são, mas…’. O cérebro de Myers disparou (…). ‘Oh, não, aí vem…’, ele pensou. ‘Mas eu estou indo para o Warriors!’

Myers ficou radiante. Ele agradeceu, desligou o celular e soltou um grito de comemoração que fez um vizinho perguntar se ele estava bem. Tudo o que Myers teve tempo de fazer antes que a notícia se tornasse pública foi ligar para Joe Lacob [e contar sobre a maneira bem-humorada de Durant de comunicar a decisão].

‘Eu cresci aqui’, diz Myers. ‘Eu simplesmente não conseguia imaginar um jogador do calibre de Kevin Durant nos escolhendo. (…) A descrença foi provavelmente a maior emoção, para ser honesto.’

Agora, o Warriors era um destino de primeira linha, capaz de atrair as maiores estrelas.

Em 7 de julho, Durant se deparou com uma multidão de centenas de pessoas dentro do centro de treinamento do Warriors e falou sobre como se sentia abençoado por estar em uma equipe que possuía tanto potencial. (…)

Nas palavras de Joe Lacob, ‘a pessoa mais importante [no recrutamento de Kevin Durant] foi Bob Myers. Ele liderou esse processo e, nos livros, esse crédito será atribuído a ele. E deve ser assim mesmo.

Para os “meros mortais” que amam o esporte e que já se imaginaram fazendo a cesta (o gol, o touchdown, o ponto) da vitória, mas que não se tornaram grandes atletas, conhecer a trajetória de Bob Myers pode servir de inspiração.

Muitas vezes, quem faz um lance decisivo é alguém de terno e gravata que, com alguma sorte, pode até acabar ajudando o time do coração a se tornar campeão.

Crédito imagem: Ezra Shaw/Getty Images/AFP

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