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Você precisa saber quem é Sonny Vaccaro

Estreou nos cinemas brasileiros, nesta primeira semana de abril de 2023, o ótimo filme Air: a história por trás do logo, obra que retrata os bastidores da assinatura do contrato entre Michael Jordan e a Nike, um momento que transformou para sempre o esporte, o marketing esportivo, a moda streetwear e o entretenimento.

A narrativa do filme dirigido por Ben Affleck é centrada na jornada de Sonny Vaccaro (interpretado por Matt Damon), responsável pelo recrutamento de atletas e treinadores de basquete para a Nike.

Quem for ao cinema assistir Air, e recomendo fortemente que você vá, terá, portanto, a chance de conhecer um pouco sobre Vaccaro, que, apesar de algumas “licenças poéticas” que são naturais em uma obra hollywoodiana, é retratado com realismo.

Para desfrutar do enredo do filme por outros ângulos, uma boa opção é o livro Playing for Keeps: Michael Jordan and the World He Made, de David Halberstam. Nele, alguns dos episódios encenados em Air são assim descritos:

A Nike era pequena no mundo do basquete. Todos os melhores profissionais usavam Converse: Bird, Johnson, Isiah Thomas. (…) A estratégia da Nike no passado era contratar um grande número de bons (mas não excelentes) jogadores, por uma quantia relativamente baixa de dinheiro – um contrato médio de cerca de US$ 8.000 por atleta, o que era definitivamente insuficiente para competir com a Converse e com a Adidas.

(…) A nova política da Nike seria direcionar energias para um único atleta, (…) canalizando nele todos os recursos de publicidade e tornando-o, se tudo desse certo, em algo mais do que um jogador de basquete. Como todos os grandes jogadores já estavam sob contrato com as concorrentes, eles precisariam de um novato.

(…) Se os times profissionais de basquete tinham seus caçadores de talentos, o mesmo acontecia com as empresas de tênis. O olheiro da Nike era uma figura onipresente chamada Sonny Vaccaro, que parecia saber muito sobre o mundo do basquete da Costa Leste e tinha boas relações em algumas universidades. Ele era um amigo próximo de John Thompson em Georgetown, Bill Foster em Duke e Jim Valvano na Carolina do Norte.

(…) Vaccaro entrava e saía de playgrounds, escolas secundárias e faculdades, um conector habilidoso em um mundo onde era da natureza do negócio que todos procurassem uma conexão melhor do que a que já se tinha. A coisa mais normal do mundo para Sonny Vaccaro era aventurar-se em alguma quadra decadente, na esperança de encontrar ali mais um diamante bruto.

Sonny Vaccaro não conhecia Michael Jordan pessoalmente, mas o observava de perto (…) e estava convencido, desde o princípio, que Jordan era algo especial. (…) A certa altura, perguntaram a Vaccaro, por se tratar de uma decisão corporativa crítica, se ele estava disposto a apostar toda a sua carreira na Nike na escolha de Jordan. Absolutamente, ele respondeu. E se ele tivesse a opção de contratar dez jogadores por US$ 50.000 cada ou um jogador por US$ 500.000, ele ainda assim escolheria apenas um? Absolutamente, disse ele, se o jogador fosse Michael Jordan. Com isso, a Nike resolveu ir atrás de Jordan.

[Havia], no entanto, um problema (…): na verdade, Jordan não gostava muito dos tênis da Nike. Ele usava Converse nos jogos da universidade porque essa era a marca de tênis com a qual o seu treinador, Dean Smith, possuía um melhor relacionamento, mas o tênis que ele preferia e a empresa que ele queria eram Adidas.

David Falk [agente de Michael Jordan] desejava que seu cliente tivesse a sua própria linha de tênis e a Nike concordou em fazer isso (…) Ainda assim, mesmo quando ficou cada vez mais claro que a Nike não apenas estava muito interessada em Jordan, mas também que lhe daria a maior parte do que ele queria, a falta de interesse de Jordan pela Nike continuava sendo um impasse.

Falk e os pais de Jordan tiveram dificuldade em colocá-lo no avião para Portland. Como a maioria dos outros jogadores que surgiram naquela época, Jordan pensava que um acordo de patrocínio com uma marca de tênis era só um acordo de patrocínio com uma marca de tênis: você escolhia o tênis de que mais gostava, recebia algum dinheiro para utilizá-lo e, em seguida, ganhava muitos tênis de graça para dar a seus amigos.

Que um negócio dessa espécie fosse parte de algo maior, a venda de si mesmo como jogador, para que pudesse ganhar mais dinheiro com patrocínios comerciais do que com seu salário de atleta, era algo que ele ainda não compreendia inteiramente. Ninguém realmente compreendia isso à época, nem mesmo o pessoal da Nike. Ou Falk. Por fim, Deloris Jordan disse ao filho que ela e o marido iriam naquele avião para Portland, e era melhor que ele também viajasse.

(…) James e Deloris Jordan (…) ficaram obviamente impressionados (…) com o fato de a empresa ver Michael como especial e com a quantidade de energia gasta na apresentação. Sobre os próprios sentimentos de Michael, não havia como saber. Ele ficou sentado com Falk e seus pais durante a reunião, sem demonstrar nenhuma emoção, absolutamente impassível. Falk, que ainda não conhecia muito bem seu cliente, ficou surpreso. Ali estava uma empresa fazendo todos os gestos – humanos e financeiros – que podia, e esse jovem parecia quase completamente imune àqueles poderes de sedução.

Ao saírem da reunião crucial, Jordan virou-se para Falk e disse: ‘Vamos assinar o contrato’. ‘Mas você nunca esboçou um sorriso ou demonstrou qualquer entusiasmo!’, Falk disse a ele. ‘Eu estava com o meu semblante de fazer negócios’, respondeu Jordan. Com isso, Falk teve a sensação de que estava lidando com mais do que apenas outro atleta brilhante e talentoso e que havia dimensões desse jovem sobre as quais ele ainda precisava aprender.

(…) Quando o negócio foi fechado, garantindo a Jordan cerca de US$ 1 milhão por ano durante cinco anos, estava sinalizado o avanço para um novo mundo do entretenimento esportivo. Mal sabia a Nike (…) que estava diante de uma das maiores pechinchas de todos os tempos.

De fato, pode-se dizer que não haveria Jordan na Nike, e tudo o que decorreu desse “casamento”, se não fosse Sonny Vaccaro.

E você sabia que, além de recrutar Jordan, Vaccaro, que trabalhou posteriormente na Adidas e na Reebok, também esteve envolvido nas carreiras de Kobe Bryant e LeBron James?

Seja trabalhando diretamente na busca de talentos para as fabricantes de tênis, seja por meio do ABCD Camp e do The Dapper Dan Roundball Classic, torneios que serviram de vitrine para revelar ao mundo, dentre outros, Patrick Ewing, Shaquille O’ Neal, Kevin Garnett, Vince Carter, Tracy McGrady e Dwight Howard, Sonny Vaccaro foi, inegavelmente, uma peça importante no panorama esportivo do final do século XX e início do século XXI.

Como se não bastasse o fato de ser parte integrante da revolução causada pela parceria entre Michael Jordan e a Nike, Vaccaro é considerado essencial em outro movimento revolucionário: a luta dos atletas universitários por compensação financeira pela exploração comercial de seus nomes, imagem e aparência (usa-se, em inglês, a sigla NIL, correspondente a name, image e likeness).

Sim, foi Sonny Vaccaro um dos responsáveis por convencer Ed O’Bannon, um ex-jogador de basquete, a ajuizar, em julho de 2009, uma ação contra a National College Athletics Association (NCAA) e contra a Collegiate Licensing Company, alegando violações à legislação federal norte-americana de proteção da concorrência (Sherman Antitrust Act).

O’Bannon, que fora destaque por UCLA na conquista do campeonato universitário de 1995, viu sua imagem ser usada, sem permissão, no jogo de videogame NCAA Basketball 09, da EA Sports.

Embora seu nome não aparecesse no jogo, este trazia um jogador da mesma posição de O’Bannon que atuava com o mesmo número na camisa e possuía as mesmas características físicas (altura, peso, tom de pele, mão dominante canhota etc).

Ah, vale mencionar que, depois de algum tempo, Oscar Robertson e Bill Russell, nomes lendários tanto do basquete universitário quanto do basquete profissional, passaram a integrar o polo ativo da ação.

A EA Sports e a Collegiate Licensing Company foram excluídas do processo após um acordo no valor de US$ 40 milhões. A sentença de primeira instância foi proferida em agosto de 2014, considerando que a prática de longa data da NCAA de restringir o direito de atletas universitários ao recebimento de dinheiro pelo uso de seus nomes, imagem e aparência violava a legislação de proteção da concorrência.

Após recurso, a Suprema Corte manteve a decisão e ordenou que a NCAA reembolsasse os autores da ação em US$ 42,2 milhões, gastos em honorários advocatícios e despesas judiciais.

Em decorrência desse processo, cuja existência tem as “digitais” de Sonny Vaccaro, foram ajuizadas diversas outras ações coletivas sob fundamentos semelhantes, até que, em junho de 2021, no caso NCAA x Alston, a Suprema Corte confirmou, de forma unânime, entendimento favorável aos atletas universitários, algo extremamente relevante para o mercado esportivo dos Estados Unidos na atualidade (voltaremos a esse tema em breve aqui na coluna).

Enfim, há pessoas que testemunham fatos históricos e há pessoas, como Sonny Vaccaro, que são responsáveis por eles.

Crédito imagem: ESPN Films

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