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Atletas, investimentos e a monetização da fama

Em 2008, Paul Wachter, consultor de investimentos que tem entre seus clientes Arnold Schwarzenegger, Bono Vox e Tom Werner (presidente do Liverpool e do Boston Red Sox), apresentou LeBron James a Jimmy Iovine, figura de renome na indústria musical.

Anos antes, Iovine e seu parceiro de negócios Andre Young, mais conhecido como o rapper Dr. Dre, começaram a discutir alternativas de investimento em face da queda nas vendas de discos, motivada pelo hábito de baixar músicas de graça na internet que havia tomado de assalto a indústria fonográfica nos primeiros anos da década de 2000.

De início, Dr. Dre tinha em mente lançar uma linha de calçados, mas foi convencido por Iovine de que chamativos fones de ouvido, capazes de fornecer uma qualidade de som superior, seriam um produto com maior potencial. Assim nasceu a Beats by Dre.

Introduzido ao conceito daqueles enormes fones de ouvido por seu novo amigo Jimmy Iovine, LeBron, que era fã de Dr. Dre desde a infância, gostou do estilo do acessório. Foi então que Iovine e Maverick Carter, sócio do atleta, tiveram uma ideia brilhante: LeBron daria fones de ouvido de presente a seus companheiros na seleção norte-americana que disputaria os Jogos Olímpicos de Pequim.

No voo de 12 horas para a China, nos inúmeros trajetos feitos de ônibus em território chinês e na chegada à arena para disputar as partidas, era impossível não notar aqueles grandes fones de ouvido em torno da cabeça ou do pescoço de LeBron, já uma das maiores estrelas do basquete mundial, e em torno das cabeças e pescoços de vários integrantes do Redeem Team, atletas do calibre de Kobe Bryant, Dwyane Wade e Carmelo Anthony, também ícones do esporte.

Assim, os Beats by Dre foram apresentados “espontaneamente” às milhões de pessoas que viam as disputas olímpicas pela televisão e que acompanhavam o evento por sites, jornais e revistas (sim, naquele “tempo das cavernas” o Twitter, o Instagram e outras redes sociais de compartilhamento instantâneo de “momentos” ainda não haviam dominado o mundo).

A Beats não pagou milhões de dólares ao Comitê Olímpico Internacional para ser uma patrocinadora global dos Jogos Olímpicos, como a Coca-Cola ou a Visa. Ela sequer pagou algo aos atletas, que viraram verdadeiros “outdoors ambulantes” na promoção dos fones de ouvido. E estes se tornaram um grande sucesso no mercado.

O fato é que, dali em diante, o mesmo Paul Wachter, que colocara LeBron James e Jimmy Iovine em contato, tornou-se membro do conselho de administração da Beats e ajudou a costurar um acordo que fez do jogador um acionista minoritário da companhia.

A estratégia de dar fones de ouvido a celebridades, inclusive com personalizações de design, passou a ser parte do modus operandi da Beats. Marketing de emboscada à parte, deu tão certo que, nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, a marca alugou um prédio e montou nele uma espécie de “clube exclusivo para atletas”. Ao chegar, jogadores e jogadoras das mais diversas modalidades esportivas recebiam Beats by Dre nas cores de seu país.

Nos anos seguintes, LeBron continuou como parceiro comercial da Beats, tendo estrelado, inclusive, o primeiro comercial dos fones de ouvido encomendado para a televisão.

No início de 2014, com sua popularidade no auge, a Beats foi vendida para a Apple, cujas iniciativas no mercado esportivo foram objeto de nossa última coluna aqui no Lei em Campo. O preço? US$ 3 bilhões.

Quando a operação foi concluída, LeBron James, graças à sua posição de acionista, havia faturado mais de US$ 50 milhões, tornando aquele o segundo maior negócio de sua carreira até então, atrás somente do acordo com a Nike. E, mesmo após a venda, o atleta continuou promovendo a marca, o que também o colocou em contato direto com a Apple. Bom para todos os envolvidos.

Bom também para Dr. Dre, que, poucos meses depois, pagou US$ 40 milhões para adquirir, em Brentwood, Los Angeles, uma mansão que pertencia ao recém divorciado casal Tom Brady e Gisele Bündchen. O mundo das grandes fortunas é um mundo pequeno…

Essa e outras deliciosas histórias sobre a trajetória de LeBron James no ramo dos negócios podem ser lidas em LeBron, Inc.: The Making of a Billion-Dollar Athlete.

O livro foi publicado em 2019 e, por isso, não cobre a mais recente jogada de LeBron fora das quadras: junto com outros jogadores da NBA, como Kevin Durant, James Harden, Joel Embiid,  Devin Booker, Chris Paul e CJ McCollum, e com um jogador da NFL (Odell Beckham Jr.), LeBron passou a integrar a seleção de celebridades que investiu na marca de roupas esportivas Mitchell & Ness, propriedade da Adidas entre 2007 e 2016 e adquirida, em 2021, por US$ 250 milhões, pela Fanatics.

A Fanatics, que hoje se coloca como líder mundial na fabricação e varejo online de roupas esportivas licenciadas, também tem se aventurado, sempre no segmento dos esportes, nos mercados de apostas, jogos eletrônicos e colecionáveis (inclusive NFTs).

Curiosamente, a aquisição de participação na Mitchel & Ness, conhecida por lançar artigos esportivos que apelam para a nostalgia dos torcedores e cuja receita no ano passado foi de US$ 350 milhões, é mais uma operação que coloca LeBron James lado a lado com estrelas da música, já que os rappers Jay-Z, Meek Mill e Lil Baby também integram o quadro de acionistas da tradicional companhia, fundada em 1904.

O anúncio da aquisição das ações da Mitchel & Ness por LeBron e outras estrelas do esporte ocorreu cerca de uma semana depois que o CEO da Fanatics, Michael Rubin, concluiu a venda de suas participações no New Jersey Devils, da NHL, e no Philadelphia 76ers, da NBA, franquia em que atuam James Harden e Joel Embiid.

Aponta-se, a propósito, que esse movimento de mercado foi efetivado para permitir que Rubin, que é íntimo de alguns atletas e agentes, tenha maior liberdade para estabelecer parcerias com seus amigos famosos sem suscitar alegações de conflito de interesse (quando da troca de James Harden do Brooklyn Nets para o Philadelphia 76ers, houve quem se queixasse, na NBA, da proximidade entre Rubin e o jogador como sendo, indevidamente, um elemento relevante na transação).

Além de aportar capital, o seleto grupo de estrelas do esporte deverá ter influência em decisões estratégicas da Mitchel & Ness, que, a partir de novembro deste ano, também comercializará itens de vestuário licenciados pela NHL.

O Bola Presa gravou, recentemente, um excelente podcast especial sobre o fenômeno dos jogadores-investidores na NBA. De fato, já está bem distante de nós a época em que atletas dependiam única e exclusivamente de seus salários para sobreviver, inclusive após o encerramento de suas curtas carreiras.

O cenário começou a mudar na década de 1980, quando Michael Jordan apresentou ao mundo um verdadeiro manual de como monetizar a fama para além das quadras.

Desde então, trocar a imagem construída nos esportes por ativos em empresas das mais diversas categorias converteu-se em uma fórmula capaz de gerar, para os atletas, patrimônio e riqueza duradouras, algo potencializado pela transformação digital e pela desintermediação da informação que marcaram as últimas décadas como parte do fenômeno conhecido como sportainment.

Não se trata, mais, apenas de usar a fama para lançar uma linha de roupas ou de tênis, e sim de aproveitar a fama para receber, em contrapartida, ações de empresas que valem dezenas de bilhões de dólares.

Em vez de serem meros garotos-propaganda, os atletas passaram a lucrar muito mais ao receberem, em troca da associação de suas imagens a determinadas marcas, uma fatia da propriedade destas.

Os donos das marcas, por sua vez, passam a utilizar o prestígio e as conexões de seus sócios famosos para alavancar redes sociais e para agregar valor à imagem institucional de suas empresas. Como no caso de LeBron James e da Beats, é bom para todos os envolvidos (menos para as marcas concorrentes, é claro).

Esse é um lance que começa com Michael Jordan e, antes de chegar em LeBron, passa por Shaquille O’Neal. Como relata o ótimo A-List Angels: How a Band of Actors, Artists, and Athletes Hacked Silicon Valley, Shaq vem, metodicamente, transformando riqueza em mais riqueza, por meio de participações em startups que, eventualmente, dão certo (e muito certo).

Um exemplo? No final dos anos 1990, Shaq foi gigante ao investir em um tal de Google. Ele também fez investimentos na Uber antes do IPO, além de deter participações na Papa John’s (pizzas), Five Guys (fast food), Lyft (transportes), JC Penney (varejo), Forever 21 (roupas) e VitaminWater (bebidas isotônicas), dentre outras. Se, no basquete, o jogo do pivô limitava-se quase que exclusivamente ao garrafão, no campo dos negócios ele diversificou muito mais a sua atuação.

A monetização da fama por atletas é uma tendência irreversível, algo que veio para ficar.

Veremos, cada vez mais, esportistas/acionistas cuja principal contribuição para as empresas das quais eles se tornam proprietários não será exatamente em dólares ou em euros, ao menos não diretamente.

São as cestas e jardas lado a lado com as cifras. O caderno de esportes, na atualidade, traz, como brinde, um robusto encarte sobre finanças.

Crédito imagem: JESSE D. GARRABRANT

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