Na atualidade, o mundo dos esportes e o mundo do entretenimento cada vez mais se misturam. É o chamado sportainment.
Um observador meramente casual do noticiário esportivo se depara com matérias sobre como o “efeito Taylor Swift” vem impulsionando negócios na NFL, com marcas de maquiagem, cosméticos e produtos de higiene pessoal, que nunca se interessaram pelo futebol americano, passando a figurar no rol de patrocinadores do Super Bowl.
Já um leitor aficionado pelos bastidores do entretenimento, ao pesquisar sobre os planos da Netflix, fica sabendo que o heptacampeão mundial Lewis Hamilton guiará pela Ferrari em 2025, algo que promete “turbinar”, dentre outros ativos, as futuras temporadas da série Drive to Survive.
Nesse contexto, se algumas questões chacoalham tanto os esportes quanto o entretenimento, há outras que, além de abalarem as estruturas do sportainment, também eclodem no Direito Desportivo.
Quer um exemplo? A recente confirmação da parceria entre DraftKings e LeBron James.
A NBA começou a acenar para o mercado de apostas em 2014, como você leu em nossa última coluna.
Em 2020, a liga viu o então proprietário do Charlotte Hornets, Michael Jordan, conhecido por ser um apostador contumaz, tornar-se acionista e conselheiro especial da mesma DraftKings.
No vigente acordo coletivo de trabalho firmado entre a NBA e a NBPA, previu-se a possibilidade de os atletas investirem ou serem patrocinados por empresas de apostas esportivas desde que essa participação acionária seja de até 1% e não implique poder de controle.
E, por fim, a liga lançou a sua própria plataforma no segmento, a NBABet.
Todavia, o que mais escancara a nova realidade talvez seja a aliança entre LeBron James e a DraftKings.
Celebrada como a união entre dois reinados, já que o jogador tem o apelido de “Rei” e a tradicional casa de apostas, que referencia a realeza até no nome, conta com uma coroa em sua logo, a parceria tende a ser um divisor de águas.
Embora LeBron não seja o primeiro atleta profissional a seguir por esse caminho, antes desbravado por Charlie Blackmon, do Colorado Rockies (MLB), que tem contrato com a MaximBet, e Connor McDavid, do Edmonton Oilers (NHL), que é embaixador da BetMGM, nenhum nome do calibre de “King James” tinha se aventurado em tal seara.
Na postagem sobre a parceria em suas redes sociais, o jogador menciona que “a temporada de futebol americano acaba de ficar bem mais divertida”.
Futebol americano? Sim. As regras da NBA, evidentemente, não permitem que um atleta participe de campanhas publicitárias ou atividades promocionais que envolvam apostas relacionadas à própria liga.
A mesma norma vale para a NFL, para a MLB e para a NHL.
Porém, até que ponto será possível dissociar, daqui em diante, LeBron James, DraftKings, apostas esportivas e NBA?
Em sua postagem a respeito do anúncio, Jason Robins, CEO da DraftKings, deu as “boas-vindas a um dos maiores e mais influentes atletas de todos os tempos”, saudando as vindouras oportunidades de engajamento para os clientes da plataforma de apostas e igualmente para os leais fãs de LeBron.
Ora, o que a DraftKings busca é, exatamente, vincular a sua marca à marca de um dos mais influentes atletas de todos os tempos, com o objetivo de conquistar, por tabela, a leal base de fãs que ele angariou ao longo de sua brilhante trajetória nas quadras (e fora delas). Esses fãs, em grande parte, acompanham o basquete.
Assim, por mais que o direcionamento da primeira campanha da DraftKings com LeBron seja, e não poderia ser diferente, relativo ao futebol americano, o que um dia foi temido pela NBA agora se apresenta a olhos vistos: atletas da liga estão livres para fazer dinheiro no ambiente das esportas esportivas por meio da exploração de suas marcas pessoais, as quais, por sua vez, transcendem qualquer ação de marketing isoladamente considerada.
E a marca da NBA? Onde ela entra nisso? Haverá algum nível de “contaminação” na percepção do público que não é ligado em apostas? Ainda não sabemos.
Você pode pensar: se a NBA também está lucrando com as apostas esportivas, que mal haverá se os atletas lucrarem também?
Bom, será que é tão simples assim?
Os comandos do acordo coletivo de trabalho da NBA são bem específicos.
Todos os jogadores da liga devem, a cada temporada, participar de uma sessão de treinamento sobre apostas, conduzida pela franquia em que eles atuam ou pela própria NBA. Se um jogador deixar de comparecer a esse treinamento sem uma justificativa adequada e razoável, a multa aplicável será de US$ 100.000. Trata-se de uma previsão acertada e absolutamente necessária.
Na sequência, após definir o que deve ser entendido como uma gaming company, conceito que abrange casas de apostas, plataformas de fantasy sports ou qualquer outra entidade que “ofereça concursos, apostas ou outras transações nas quais os consumidores possam colocar em risco dinheiro ou outras coisas de valor e cujo resultado seja determinado, no todo ou em parte, com base no desempenho dos jogadores da NBA ou das equipes da NBA em jogos ou eventos da NBA”, o acordo coletivo de trabalho determina que:
– a participação dos atletas em atividades promocionais ou de patrocínio de uma gaming company é limitada a somente uma atividade geral da marca, e desde que não seja relacionada à própria NBA;
– a remuneração desses atletas por uma gaming company jamais pode estar condicionada ao desempenho esportivo deles; e
– tal participação e a operação da gaming company precisam estar em conformidade com toda e qualquer norma legal ou regulatória aplicável a apostas esportivas, fantasy games e similares.
A DraftKings, a propósito, nasceu em 2012 basicamente como uma empresa de fantasy sports. Cerca de um ano depois, ela recebeu investimentos da MLB.
Em 2015, após tornar-se parceira oficial da NHL e na esteira da assinatura de um acordo de patrocínio junto à ESPN, a DraftKings recebeu, em uma rodada de investimentos, aportes da Fox Sports e do Kraft Group (dono do New England Patriots).
A ascensão continuou e, em julho de 2021, a DraftKings atingiu o valor de mercado de US$ 20.64 bilhões.
Trata-se, sem dúvida, de uma gigante, que já havia chegado ao beisebol, ao hóquei e ao futebol americano e que, doravante, passa a “andar de mãos dadas” com o principal rosto da NBA.
O que nos leva a uma outra indagação: como será interpretada a questão de ser permitida “somente uma atividade geral da marca”? Ou, em outras palavras, o que LeBron poderá e o que não poderá fazer junto à DraftKings?
As ferramentas de fiscalização e controle serão suficientes em face da pulverização de ativações publicitárias em diversas redes sociais?
Com um volume tão substancial de apostas ocorrendo o tempo todo e um número expressivo de atletas na liga, que fatalmente seguirão os passos de LeBron, a quantidade de não conformidades será proporcionalmente grande e complexa de gerenciar?
Por ora, só temos as perguntas.
O que nos resta é observar e confiar na capacidade da NBA de superar desafios.
Não será fácil, mas será instigante acompanhar o amadurecimento de uma das mais prestigiosas instituições do esporte ante a força implacável do dinheiro do mercado de apostas.
Da frase de Benjamin Franklin contida em uma carta enviada por ele a Jean-Baptiste Le Roy, um físico francês, nasceu o ditado, muito popular nos Estados Unidos, de que só existem duas coisas certas na vida: a morte e os tributos.
Olhando ao redor, podemos acrescentar uma terceira certeza: onde houver esporte, haverá o patrocínio de uma casa de apostas.
Que haja, também, o olhar vigilante do Direito, para que a essência do jogo seja sempre preservada. Quem ama o esporte agradece.