Depois de mudanças no cronograma de publicação da coluna por um bom motivo (a realização, durante a semana do Jogo das Estrelas do NBB, do seminário Esporte, Estado e Mercado: um diálogo necessário, em parceria com o Lei em Campo e com a Liga Nacional de Basquete), voltamos à nossa programação normal. E com mais de um assunto em pauta!
Vamos começar nossa miscelânia retomando um caso que já foi abordado por aqui: a ação movida em fevereiro de 2022 por Brian Flores, ex-treinador do Miami Dolphins e atual coordenador defensivo do Minnesota Vikings, sob a alegação de práticas discriminatórias ao redor da NFL.
Vale mencionar que também passaram a integrar o polo ativo da ação, em abril de 2022, o ex-treinador do Arizona Cardinals e atual coordenador defensivo do San Francisco 49ers, Steve Wilks, e Ray Horton, um veterano assistente com passagens pelas franquias de Washington, Dallas, Cincinnati, Detroit, Pittsburgh, Arizona, Cleveland e Tennessee.
Qual é a novidade do caso? No dia 1º de março de 2023, a juíza responsável acatou um argumento da NFL no sentido de determinar que algumas das questões contidas no processo deverão ser resolvidas em procedimento arbitral, conforme previsão dos contratos assinados por Flores, Wilks e Horton.
O problema é que o procedimento arbitral em questão será supervisionado por ninguém mais, ninguém menos do que Roger Goodell, o próprio comissário da liga.
Algo, no mínimo, controverso. Na média, inadequado. E, no máximo, profundamente injusto.
Como reação a essa decisão, um grupo de doze professores da Columbia Law School, da Stanford Law School e de outras instituições de prestígio nos meios acadêmicos apresentou, nos autos, o que chamamos de petição amicus curiae. Trata-se, grosso modo, da manifestação de um terceiro que não é parte no processo e que pode contribuir com subsídios para a decisão do órgão julgador.
Na peça processual, os professores afirmam que “a designação (…) do comissário Goodell para servir como árbitro é uma violação flagrante da justiça fundamental”, comparando a situação com “permitir que um jogo de futebol profissional seja apitado pelo dono de um dos times”.
Na visão desses juristas, a decisão deveria ser reconsiderada por quatro razões básicas: (i) os interesses de Goodell estariam intrinsecamente ligados aos interesses da NFL e das franquias que estão sendo processadas; (ii) Goodell teria prejulgado o caso quando a liga declarou, de forma enfática, que as alegações dos autores da ação não teriam fundamento; (iii) Goodell, em tese, poderia funcionar no procedimento arbitral também como testemunha, o que geraria uma situação ilógica e inadmissível; e, por fim, (iv) Goodell não seria legalmente treinado para resolver disputas envolvendo direitos civis.
Indo além do esporte, os professores sugerem que tal situação poderia representar até mesmo um incentivo para que grandes empresas insiram nos contratos de trabalho cláusulas que prevejam que um representante delas atuará como árbitro em eventuais disputas relativas a direitos trabalhistas dos funcionários.
Para sustentar o alerta, foram mencionadas pesquisas segundo as quais aproximadamente 60 milhões de trabalhadores norte-americanos, empregados em cerca de 80% das maiores empresas do país, estariam vinculados a contratos que possuem compromisso arbitral.
A expectativa é grande pelo desfecho e pelos desdobramentos dessa história, que certamente será mais longa do que outra que tomou as manchetes nas últimas semanas: a mais recente (e já arrastada) “novela Aaron Rodgers”.
Rodgers, reconhecidamente um dos jogadores mais talentosos da história do futebol americano, assinou, em 2022, uma extensão contratual por três anos com o Green Bay Packers, onde joga desde 2005, pelo valor de US$ 150,8 milhões, com opção de um ano adicional (2025) pelo qual ele receberia US$ 58,3 milhões.
No momento, após seguidos desgastes com a direção da franquia de Green Bay, Rodgers é fortemente especulado como o próximo quarterback do New York Jets. Ocorre que, além do desejo do Packers de obter um retorno que considere justo em uma troca pelo atleta, outro fator pode estar impactando as negociações: os tributos.
Apesar do nome, o New York Jets atua em East Rutherford, Nova Jersey, que cobra um imposto de renda estadual de 10,75%, terceira maior alíquota dos Estados Unidos, somente atrás da Califórnia (13,3%) e do Havaí (11%). Tendo jogado em Wisconsin durante toda a sua carreira profissional, Rodgers está acostumado a suportar uma alíquota estadual de 7,65%.
Além disso, seja qual for o seu destino, o quarterback continuará pagando o imposto de renda federal a uma alíquota de 37%, além de arcar com o tributo que alguns estados cobram dos jogadores de times visitantes (a jock tax, que, oportunamente, será objeto de análise na coluna Cestas, Jardas e Cifras).
Ainda que projetar o custo tributário que Aaron Rodgers terá de encarar não seja uma ciência exata (há despesas que são dedutíveis e ele possui residência também na Califórnia, por exemplo), morar em Nova Jersey ou em Nova Iorque fatalmente será mais caro do que residir na região de Green Bay.
Isso não deveria ser problema para alguém como Rodgers, que, somente com salários, já ganhou mais de US$ 300 milhões, aos quais se juntam os valores dos acordos publicitários com marcas famosas como State Farm e Pizza Hut, certo?
Provavelmente. Mas não se pode negar que a carga tributária é um dos fatores considerados pelos atletas na tomada de decisão sobre onde jogar, sendo possível economizar milhões de dólares com um planejamento bem feito.
Na era do empoderamento dos atletas e com a alta complexidade das vidas financeiras de jogadores de alto nível, que são, além de esportistas, ativos valiosos no mercado e investidores nos mais diversos segmentos (o agora ex-quarterback Tom Brady, a propósito, acabou de se tornar um dos proprietários do Las Vegas Aces, da WNBA), é ingenuidade imaginar que alguns milhões a mais ou a menos, sobretudo para um atleta de 39 anos como Aaron Rodgers, não sejam relevantes na hora de optar por um ou por outro caminho.
Há um ditado, muito popular nos Estados Unidos, segundo o qual existem apenas duas coisas certas na vida: a morte e os tributos.
Conquanto estejamos em uma nova fase, em que um número maior de jogadores se destaca no mundo do empreendedorismo, a carreira de um atleta, via de regra, é curta.
Independentemente do romantismo sobre o “amor à camisa”, se os atletas “morrem duas vezes” (a primeira delas quando chega a aposentadoria), como disse certa vez Paulo Roberto Falcão, a preocupação com as finanças e o ditado sobre a morte e os tributos fazem ainda mais sentido.
Só não vá dizer a um torcedor fanático pelo Green Bay Packers que pagar menos imposto de renda estadual pode ser uma das razões para que Aaron Rodgers mude de ideia e decida encerrar a sua carreira na equipe…
Crédito imagem: Getty Images/Ringer illustration
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo