O mundo da NBA foi chacoalhado na última quarta-feira, dia 27/09/2023, pelo desfecho da “novela Damian Lillard”.
Após pedir, no início de julho, para ser trocado do Portland Trail Blazers, franquia que o selecionara na sexta escolha geral no Draft de 2012, o armador finalmente tem um novo destino: o Milwaukee Bucks, equipe na qual Lillard terá chances concretas de brigar pelo título ao lado do fenômeno grego Giannis Antetokounmpo.
No contexto do tão debatido empoderamento dos atletas, o pedido de troca feito por Damian Lillard havia sido a última grande jogada no “tabuleiro” do mercado.
Ao lado da polêmica atitude de James Harden, que, em alto e bom som, pediu para ser trocado e acusou Daryl Morey, dirigente do Philadelphia 76ers, de ser um mentiroso, o declarado desejo de Lillard de jogar no Miami Heat acabou “travando” uma série de outras movimentações ao redor da liga durante a offseason.
No fim das contas, o anseio de Lillard não foi atendido pelo Portland Trail Blazers, que julgou a oferta do Milwaukee Bucks mais interessante do que os ativos que o Miami Heat poderia oferecer.
Muitos têm enxergado a ida de Lillard para Milwaukee como uma vitória das franquias na “queda de braço” travada com os atletas, cujo poder é tido como quase absoluto.
Nos últimos anos, de fato, jogadores importantes vinham conseguindo “forçar a mão” de diretorias para obter a realização de seus desejos individuais, por vezes em claro detrimento dos contratos assinados.
As ferramentas utilizadas para isso? Declarações na mídia, vazadas para jornalistas insiders como Adrian Wojnarowski (ESPN), Shams Charania (The Athletic e Stadium) e Chris Haynes (TNT e Bleacher Report), ou mesmo comunicações diretas via mídias sociais, podcasts e veículos na linha do The Players’ Tribune, plataformas por meio das quais os atletas conseguem controlar as narrativas a seu próprio respeito.
Naturalmente, a troca de Lillard não é algo inteiramente inédito na história da NBA.
Já relatamos em texto anterior as circunstâncias por trás da ida de Wilt Chamberlain da Philadelphia para o Lakers em julho de 1968, bem como as peculiaridades do pedido de troca feito por Kareem Abdul-Jabbar pouco antes da temporada 1974-1975, quando ele deixou clara a pretensão de jogar em Nova Iorque ou Los Angeles, metrópoles mais alinhadas com as aspirações culturais do pivô do que a pacata Milwaukee, mesma localidade onde Lillard desembarcará em 2023.
Também comentamos como “Magic” Johnson insinuou publicamente que faria um pedido formal de troca se o treinador Paul Westhead não fosse demitido, episódio ocorrido em 1981 e retratado em detalhes no livro Showtime: Magic, Kareem, Riley, and the Los Angeles Lakers Dynasty of the 1980s, obra que inspirou a ótima Winning Time (no Brasil, Lakers: Hora de Vencer), série da HBO, infelizmente cancelada, que explora o caso na segunda temporada.
Já da década de 90 para cá, alguns exemplos ilustram como jogadores de um determinado patamar conseguiram fazer valer suas vontades e efetivamente decidiram onde iriam jogar.
A ressalva é que cada situação teve suas particularidades. Desses atletas vencedores na “queda de braço” com as franquias, alguns eram agentes livres, outros estavam sob contratos longos e outros em vias de verem seus contratos expirarem.
E há um exemplo que é verdadeiramente sui generis: um jogador que declarou sua preferência (melhor seria dizer exigência) antes sequer de assinar o primeiro contrato profissional.
Vamos aos casos mais emblemáticos:
– Shaquille O’Neal indo de Orlando para Los Angeles em 1996;
– Kobe Bryant supostamente insinuando, após ser draftado pelo Charlotte Hornets no Draft de 1996, que só jogaria pelo Lakers;
– LeBron James com o infame programa de televisão The Decision em 2010, transformando a escolha como free agent em um evento midiático que culminou com a ida do atleta de Cleveland para Miami;
– Carmelo Anthony precipitando uma troca do Denver Nuggets para o New York Knicks em 2011;
– Dwight Howard repetindo Shaq e partindo do Orlando Magic para o Lakers em 2012;
– Anthony Davis acelerando a saída de New Orleans para Los Angeles em 2019;
– Kevin Durant pedindo para ser trocado do Brooklyn Nets para o Phoenix Suns em 2022 e finalmente conseguindo o que queria em 2023; e
– o já citado James Harden, autor da proeza de pedir trocas em 2021 (de Houston para o Brooklyn), 2022 (do Brooklyn para a Filadélfia) e 2023 (da Filadélfia para só Deus sabe onde).
Como se vê, o exercício de poder por parte de atletas da NBA não é novidade. O que mudou nos últimos tempos, além da forma como os pedidos de troca são colocados em prática, é que o constrangimento social decorrente deles praticamente deixou de existir, algo que o Bola Presa destacou em episódio especial do podcast cujo tema foi o valor da continuidade na NBA.
Em contrapartida às vitórias dos atletas nesses embates, há exemplos que ilustram como o melhor interesse das equipes pode, sim, prevalecer sobre o interesse dos jogadores.
Além da recente troca de Lillard, podemos citar como vitórias das franquias (e, por tabela, talvez de todo o sistema de liga sobre o qual a NBA é estruturada): a troca de Kawhi Leonard em 2018 (do San Antonio Spurs para o Toronto Raptors) e a postura do Brooklyn Nets quando Kyrie Irving pediu para ser trocado em 2023
Veremos se o pitoresco imbróglio entre James Harden e Daryl Morey terminará com o triunfo do Philadelphia 76ers ou se “o Barba” obterá, mais uma vez, aquilo que pretende (desta vez, ir para o Los Angeles Clippers).
Vale citar que a chegada de Lillard ao Bucks é igualmente vista como uma vitória dos pequenos mercados da NBA.
Com efeito, a ida de um astro para Milwaukee contraria o padrão tantas vezes visto de atletas conseguindo mudanças para explorar o glamour e oportunidades esportivas/comerciais em Los Angeles e Nova Iorque ou para desfrutar das benesses fiscais (e do clima tropical) de Miami.
Depois de trocar por Jrue Holiday na temporada 2020-2021, convencendo Giannis Antetokounmpo a assinar uma extensão contratual e vencendo um título nesse processo, a direção do Bucks demonstrou novamente que, com os ingredientes corretos, é viável “contornar” a pressão feita por uma estrela, fazendo-a permanecer em uma cidade que possui, a princípio, baixa atratividade.
Não foi por acaso que a troca de Lillard, que, curiosamente, envolveu o mesmo Jrue Holiday que fora o maior trunfo da franquia de Milwaukee nas negociações com Giannis há alguns anos, ocorreu pouco tempo depois de o grego ventilar a possibilidade de deixar o Bucks se não percebesse na equipe um comprometimento com a competitividade semelhante ao seu.
Por fim, já que mencionamos “comprometimento com a competividade”, fica aqui um spoiler: abordaremos, na próxima coluna, as novas regras da NBA para fazer frente aos problemas decorrentes do load management. E aí veremos, quanto a tal temática, se podemos falar em vencedores e perdedores.
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Crédito imagem: Getty Images
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