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Tributos e atletas nos Estados Unidos: “jock tax”, de Jordan a Messi

Em texto publicado no final de março aqui na coluna, abordamos como a questão tributária poderia impactar a ida de Aaron Rodgers, um dos mais talentosos quarterbacks de todos os tempos, do Green Bay Packers para o New York Jets.

Pelo fato de a franquia estar estabelecida em East Rutherford, no estado de Nova Jersey, os atletas do New York Jets pagam uma das mais elevadas alíquotas de imposto de renda estadual dos Estados Unidos.

Até então, Rodgers pagava o imposto de renda estadual de Wisconsin (ao menos este, pois ele também possui residência na Califórnia), além do imposto de renda federal e do chamado jock tax, tributo cobrado dos atletas quando eles viajam para atuar “fora de casa” em outros estados norte-americanos. O termo jock é utilizado no idioma inglês como um sinônimo, mais informal, de atleta.

A história de como o jock tax ganhou notoriedade é intrigante. Embora a existência do tributo remonte à década de 1960, ele passou a estar “na boca do povo” a partir de 1991. O estopim para isso? A acachapante vitória do Chicago Bulls, de Michael Jordan, sobre o Los Angeles Lakers, de Magic Johnson, nas finais da NBA daquele ano.

É verdade! Depois da derrota da franquia local por 4 x 1 na série e de uma estada prolongada dos jogadores do Bulls em Los Angeles para festejar o título, o primeiro dos 6 conquistados entre 1991 e 1998, reza a lenda que o contador de Jordan recebeu uma notificação por meio da qual o estado da Califórnia informava que iria tributar os ganhos obtidos pelo astro durante o período em que ele permanecera em território “inimigo”.

Naturalmente, a cobrança do jock tax foi estendida aos demais atletas da equipe de Chicago. Conquanto a mesma Califórnia, Wisconsin e Ohio já fizessem exigências dessa natureza desde meados dos anos 80, o fato causou estranheza. Afinal, na “terra dos livres”, como diz o hino dos Estados Unidos, não era comum que um cidadão tivesse de pagar algum tributo fora de sua residência fiscal.

Na sequência, John Cullerton, Senador de Illinois, estado onde fica Chicago, “retaliou” e propôs uma lei pela qual os atletas “visitantes” que iam até lá com suas equipes passaram a ser tributados. A cobrança era restrita a jogadores residentes em jurisdições que, igualmente, exigiam o jock tax.

Além dos atletas, também pagam o jock tax treinadores, médicos e outros profissionais de comissões técnicas que, por viajarem com os respectivos times, são considerados como contribuintes que auferem rendimentos em outros estados.

Fato é que o jock tax ganhou vulto. Estima-se que a Califórnia, por exemplo, arrecade cerca de US$ 250 milhões por ano com o tributo, que, nessa toada, passou a ser cobrado por todos os estados que sediam uma equipe esportiva profissional e que exigem imposto de renda estadual.

Como aponta uma matéria da The Hustle, as razões para a proliferação do jock tax ao longo dos anos são, basicamente, os déficits crescentes dos estados somados à escalada exponencial dos salários dos atletas profissionais. Com efeito, obter arrecadação a partir de uma minoria mais abastada possui um custo político muito menor do que aumentar a carga tributária para toda a população.

A par dos estados, há municípios que tributam qualquer esportista não residente que participe de um evento esportivo para o qual sejam vendidos ingressos e que ocorra em instalação financiada por um ente estatal (sim, há muitas instalações esportivas nos Estados Unidos que são construídas com recursos públicos).

A fórmula para o cálculo do jock tax leva em conta o conceito de dias de serviço, que abrange desde treinamentos e jogos durante a temporada a algumas atividades nas intertemporadas.

Em linhas gerais, multiplica-se o salário anual de um atleta pelo número de dias de serviço que ele passou “na casa” do time adversário, dividindo-se o resultado pelo número total de dias de serviço daquele atleta e multiplicando-se por uma alíquota que é específica para cada estado.

Com o intuito de facilitar a sistemática de arrecadação, utiliza-se um mecanismo de retenção na fonte e posterior repasse para o ente que faz jus ao recebimento da correspondente receita. Ademais, a fim de garantir que os atletas não sejam bitributados, utiliza-se uma metodologia de controle de créditos.

Como as franquias esportivas normalmente jogam um número igual de jogos como mandantes e como visitantes, existe um equilíbrio relativo nessa “balança”. Mas excessos na cobrança do jock tax já suscitaram, inclusive, questões constitucionais.

A partir de 2009, o estado do Tennessee cobrou, de atletas visitantes da NHL e da NBA, um montante fixo, por jogo, de US$ 2,5 mil. O valor arrecado era destinado ao financiamento de melhorias nas arenas esportivas locais. Ocorre que, no caso dos atletas que ganhavam o mínimo salarial da NBA à época, o tributo excedia o valor que eles recebiam por dia de serviço, inconstitucionalidade que levou à revogação do tributo em 2014.

Já Cleveland calculava o jock tax com base nos jogos disputados, e não nos dias de serviço, fazendo com que os atletas pagassem uma “conta” desproporcionalmente alta. Em 2015, uma ação judicial culminou com uma reforma na cobrança do tributo.

Ainda que projetar a carga tributária real suportada por cada atleta esteja longe de ser uma tarefa fácil, eis que existem despesas dedutíveis e variações em razão da escolha da residência fiscal, é certo que, conforme já apontamos por aqui, o custo tributário é um fator a ser cuidadosamente considerado na tomada da decisão sobre onde jogar.

Para ilustrar, inspirados em postagens de Andrew Petcash no Twitter, tomemos por base as atuais finais da NBA. De um lado, a principal figura do Denver Nuggets é o sérvio Nikola Jokić. Do outro lado, Jimmy Butler, notório no Brasil por ser amigo de Neymar, é o “rosto” mais conhecido do Miami Heat.

Jokić, que mora no estado do Colorado, tem um salário anual de US$ 46,19 milhões. Desse valor bruto, o genial pivô terá pagado, ao final da temporada, US$ 17,36 milhões de imposto de renda federal, US$ 2,06 milhões de imposto de renda estadual, US$ 1,4 milhão a título de jock tax, US$ 1,41 milhão de comissão para seus agentes e mais US$ 436 mil de um tributo, instituído por força do Federal Insurance Contributions Act, destinado a financiar a previdência social e o programa nacional de seguro saúde (Medicare).

Assim, em valores líquidos, a estrela do Nuggets recebe US$ 24,23 milhões, dos quais, assim como ocorre com todos os jogadores, 10% ficam retidos em uma conta caucionada administrada pela liga, utilizada para a divisão financeira estabelecida pelas regras do Collective Bargaining Agreement (CBA), o acordo coletivo de trabalho firmado entre a NBA e a associação de atletas (NBPA).

Já Jimmy Butler, residente na Flórida, que não cobra imposto de renda estadual, tem um salário anual de US$ 45,18 milhões, dos quais US$ 16,72 milhões terão sido destinados ao pagamento do imposto de renda federal, US$ 1,36 milhão à remuneração dos agentes, US$ 680 mil à quitação do jock tax e US$ 420 mil ao financiamento da previdência e seguro saúde.

Logo, Butler usufruirá de US$ 26 milhões líquidos, com a ressalva dos 10% retidos pela NBA na conta caucionada.

Essa diferença de cenários, verificável mesmo no caso de salários em patamares próximos, como o de Jokić (US$ 46,19 milhões) e Butler (US$ 45,18 milhões), pode ser o diferencial na escolha de um atleta por jogar em um ou em outro estado.

Quem, em breve, terá de lidar com o jock tax e com tal realidade tributária, usufruindo da benesse fiscal da Flórida em relação ao imposto de renda estadual, é Lionel Messi.

Protagonista das manchetes mundiais após o anúncio de sua transferência para o Inter Miami, o ídolo argentino chega à MLS prometendo abalar as estruturas do soccer (conseguirá ir além do que fez Pelé?) e se aproveitar de um modelo de negócios que, vejam só, nasceu da revolucionária parceria entre Michael Jordan e a Nike.

Especula-se que, além de luvas e salários, Messi participará dos lucros da Adidas na venda de camisas de todas as equipes que disputam a MLS, além de receber parte do valor obtido pela Apple com as assinaturas do MLS League Pass, serviço de streaming oficial da liga.

Em paralelo à maximização dos ganhos com o uso de sua imagem e fama, Messi, depois do triunfo esportivo definitivo com a conquista da última Copa do Mundo pela Argentina, também poderá se tornar acionista do Inter Miami ao “pendurar as chuteiras”.

Portanto, em um futuro próximo, o argentino há de seguir os passos de seu agora “patrão” David Beckham, um dos proprietários do Inter Miami e atleta que soube, como poucos, explorar o potencial dos negócios no esporte no mercado dos Estados Unidos.

Uma coisa dá para garantir: pelo que construiu até aqui e pelos contornos de seus novos acordos comerciais, Messi não terá dificuldades de pagar o jock tax e os outros tributos que terá pela frente…

Crédito imagem: Getty Images

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