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Gente sem agente

Na mesma semana em que foi anunciada a ampliação do vínculo entre Stephen Curry e a Under Armour, que pode se equiparar até mesmo a um contrato vitalício nos moldes daquele que LeBron James possui com a Nike, o noticiário esportivo dos Estados Unidos especula se o fato de Lamar Jackson não possuir um agente possa ser a principal razão para o atual impasse contratual na carreira do talentoso quarterback, que chegou a ser eleito, unanimemente, o MVP da NFL na temporada 2019-2020.

Depois de meses de negociações, Jackson e o Baltimore Ravens, franquia pela qual ele atua, estão longe de chegar a um acordo. A proposta efetivamente feita ao quarterback teria sido de US$ 133 milhões por três anos de contrato, bem abaixo do que o jogador acredita merecer.

Com as conversas “travadas”, Jackson pediu para ser trocado. O Baltimore Ravens, por sua vez, utilizou uma figura prevista nas regras salariais da NFL, a franchise tag não exclusiva, para manter o atleta sob contrato, com o direito de igualar qualquer proposta que ele eventualmente venha a receber de outra equipe.

E, se não houver nenhuma novidade até o dia 17 de julho de 2023, Lamar Jackson continuará no plantel do time de Baltimore, recebendo “somente” US$ 32 milhões pela próxima temporada, situação que, certamente, gerará um imenso mal-estar.

No início de março, uma matéria na Sports Illustrated recebeu a manchete “Lamar Jackson não tem agente e isso está acabando com sua carreira”. O texto, escrito pelo jornalista Timm Hamm, afirma:

Lamar Jackson não tinha um agente que o representasse durante o Draft cinco anos atrás. Ele continua sem agente, e isso o prejudicou em toda a sua carreira.

Jackson caiu para o 32º lugar no Draft da NFL de 2018, já que os agentes de outros quarterbacks certamente estavam manchando a sua reputação (…) em um esforço para fazer com que seus próprios clientes fossem draftados antes dele. Jackson não tinha um agente para protegê-lo, por exemplo, de todas as narrativas sobre a possibilidade de ele potencialmente mudar de posição ao sair da faculdade [deixando de ser quarterback].

E agora (…) não há ninguém para proteger ou lutar por Jackson, pois várias equipes fecham a porta aos seus serviços antes mesmo de ele se aproximar delas.

Um agente habilidoso e respeitado poderia ter evitado completamente essa situação e Jackson poderia estar sob contrato neste momento. (…) Existem benefícios genuínos em ter o agente certo. Basta perguntar a praticamente qualquer jogador que navegou com sucesso em uma carreira na NFL. E embora os danos à carreira de Jackson nas últimas cinco temporadas não possam ser desfeitos, ele deve perceber que tem pouca ou nenhuma chance de conseguir o contrato de longo prazo que merece (…).

Outra razão para se ter um agente é a tendência na NFL de repactuação dos contratos enquanto ainda vigentes. Jackson precisa de alguém para representá-lo enquanto ele está ocupado estudando playbooks e defesas [ou] (…) continuará prejudicando a sua carreira, confrontado com a decisão de jogar pelo número escandalosamente baixo de US$ 32 milhões na próxima temporada ou com o risco de sequer jogar para provar um ponto que ninguém respeita”.

Além da falta de um agente para ampliar o horizonte de negociações e para administrar eventuais desgastes com a direção do Baltimore Ravens, Lamar Jackson acabou prejudicado pelo contrato assinado por um quarterback rival: Deshaun Watson, do Cleveland Browns.

Watson, mesmo em meio às pendências judiciais decorrentes de inúmeras acusações de assédio sexual, receberá US$ 230 milhões por cinco anos de contrato, sendo que todo o dinheiro desse acordo é garantido (ou seja, mesmo se o atleta for trocado ou cortado, o Browns terá de pagar integralmente a quantia).

Lamar Jackson almejava receber uma oferta semelhante do Baltimore Ravens. Porém, o que se comenta é que nenhuma franquia da NFL gostou do precedente aberto pelo time de Cleveland, pelo risco de ver muito dinheiro comprometido com jogadores que podem se lesionar ou mesmo deixar de atuar por outros fatores. Isso, somado às limitações de não ter um agente, estaria resultando nas “portas fechadas” com as quais Jackson tem se deparado. A tese é bastante plausível.

Ainda em 2021, Andrew Brandt, que, após ter atuado muitos anos como agente, foi dirigente do Green Bay Packers por um bom tempo, escreveu, também na Sports Illustrated, um artigo intitulado “O risco oculto de Lamar Jackson negociar seu contrato sem um agente”, do qual extraímos as seguintes passagens:

Jackson não é apenas um jogador único em campo, com suas habilidades singulares, mas também se tornou um caso único no mundo do futebol americano. O MVP de 2019 é um dos poucos jogadores da NFL que não se vale dos serviços de um agente (…).

Não usar um agente para negociar seu contrato de novato apresentava apenas um risco limitado, já que o acordo coletivo de trabalho [assinado entre a NFL e a associação dos atletas] predetermina o dinheiro [que um calouro pode receber]. (…) Agora as apostas aumentaram; em vez de um contrato de US$ 10 milhões, estamos falando de um contrato de mais de US$ 100 milhões, que provavelmente levará Jackson ao auge de sua carreira (…).

Quando penso nas negociações que fiz com jogadores que não tinham um agente, tenho algumas lembranças agridoces. Cheguei aos Packers depois de uma década como agente (…). Eu sabia o que o outro lado estava pensando nas negociações e poderia facilmente determinar onde estariam os pontos problemáticos na negociação. Mas tive de perceber a dura verdade de que, embora fosse um ex-agente e empático com os jogadores, agora estava trabalhando para o outro lado da equação (…). Isso levou a alguns episódios dolorosos.

Morando [na pequena] Green Bay, todos nós – jogadores, treinadores, funcionários – nos conhecemos muito bem, melhor do que se conhecem as pessoas de qualquer outro time na NFL. Comecei a encontrar jogadores que se sentiam tão à vontade comigo que queriam negociar diretamente seus contratos, sem um agente. Minha reação inicial foi positiva: fiquei lisonjeado pelos jogadores se sentirem assim (…). Infelizmente, aprendi da maneira mais difícil o contrário.

Negociações contratuais [dessa natureza] podem ser muito emocionais. Os jogadores viam as coisas de forma muito simples: outro time pagava o Jogador X; eles achavam que eram melhores que o Jogador X, portanto eu deveria pagar a eles mais do que ganhava o Jogador X. Simples! Minhas ponderações sutis sobre o Jogador X estar mais perto de se tornar um agente livre, por exemplo, não caíam bem. Eles tinham de me ouvir dizer que os Packers não se sentiam tão confortáveis com eles quanto o outro time se sentia com o Jogador X…

Tive a experiência de ver jogadores que negociaram diretamente comigo, sem um agente, sentindo-se magoados e insultados. Eu não apenas perdi relacionamentos, mas minha esposa e filhos perderam relacionamentos com as esposas e filhos deles. Foi uma das vivências mais difíceis que tive (…). Aprendi a realmente apreciar o valor de um agente (…), que desempenha um papel vital [ao estar mais afastado da direção da equipe do que o jogador], funcionando como um ‘amortecedor’.

As negociações envolvendo o valor humano são complicadas e cruas, especialmente para alguém tão valioso quanto Jackson. A última coisa que os Ravens devem fazer é perturbar esse relacionamento tirando vantagem da falta de um negociador profissional. Jogadores sem agentes assumem algum risco para si mesmos, mas também representam um risco significativo para suas equipes, especialmente se forem jogadores importantes”.

As dinâmicas contratuais e salariais das ligas esportivas norte-americanas são extremamente intricadas. Não é à toa que existem especialistas em salary cap e, no caso do basquete, eventos como a Tulane Professional Basketball Negotiation Competition, um encontro anual dos especialistas em teto salarial da NBA que dá a alunos de dezenas de Faculdades de Direito dos Estados Unidos a oportunidade de demonstrarem habilidades de negociação e o domínio das regras do CBA.

Mais complexas do que as normas que ditam como o dinheiro pode ser gasto na NFL, na NBA, na NHL e na MLB, no entanto, são as relações humanas.

Além de absorver, em lugar do atleta, a carga emocional dos inevitáveis embates de uma negociação, um bom agente é capaz de entender de que maneira a imagem de seu cliente pode ser preservada perante o público e perante as marcas, conseguindo, com isso, gerar oportunidades que valorizem adequadamente os ativos que um jogador de alto nível representa.

Se Stephen Curry e LeBron James, mencionados no início desta coluna, já estão em um patamar de carreira em que que a atração e a continuidade de negócios lucrativos são naturais, seja dentro das quatro linhas ou em outras iniciativas empreendedoras, essa é uma realidade da qual poucos desfrutam.

Lamar Jackson pode ter motivos legítimos para acreditar que não precisa de um agente e, evidentemente, ele não é o primeiro e nem será o último atleta a adotar essa estratégia, talvez até com sucesso, no fim das contas.

Tendo a acreditar, todavia, que o caminho de “gente sem agente”, na atualidade e para o futuro, será invariavelmente mais tortuoso para qualquer atleta que queira ter destaque no universo hipercomplexo do esporte de alto rendimento.

Crédito imagem: AP Photo/Terrance Williams

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