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Medindo forças em Paris

Domingo, 07 de julho de 2024. Poucas horas antes de completarmos dez anos do malfadado 7 x 1, a maior derrota da história do futebol brasileiro, o esporte nacional viveu outro momento que ficará marcado para a eternidade.

Não nos campos (a eliminação na Copa América para o Uruguai, na véspera, não nos deixa mentir), e sim nas quadras: a seleção masculina de basquete venceu brilhantemente a Letônia, que jogava em casa, e garantiu vaga nos Jogos Olímpicos de Paris.

Se a camisa verde e amarela anda combalida no futebol, é natural, sobretudo em tempo de Olimpíadas, que o torcedor busque “refúgio” em outras modalidades coletivas.

Sorte do vôlei, que, com muita competência, vem empilhando conquistas nas últimas décadas, tanto no masculino quanto no feminino. E quem sabe, depois de muito tempo, a bola laranja não volte a ser “a bola da vez”?

Em Tóquio, o basquete brasileiro não esteve presente. Se a equipe masculina ficasse de fora dos Jogos Olímpicos novamente (as meninas, assim como as equipes de basquete 3 x 3, já não haviam conseguido a vaga), os danos seriam profundos.

O inegável sucesso comercial da NBA no Brasil e a estabilidade de uma liga nacional que reúne equipes tradicionais em um modelo de negócios admirado no mercado não foram (ou não vinham sendo) suficientes para fomentar resultados mais expressivos para a seleção.

Além disso, uma certa “miopia” que se acentuava a cada nova decepção nos impediu de enxergar com mais clareza a real dimensão da 5ª colocação nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, e da 6ª posição na Copa do Mundo da Espanha, em 2014, por exemplo.

O fato é que as vitórias do passado alimentam elevadas expectativas em um país que ostenta dois títulos mundiais masculinos (1959 e 1963), um título mundial feminino (1994), algumas medalhas olímpicas e atletas que estão no Hall da Fama do basquete (Hortência, Paula, Janeth, Wlamir, Amaury, Ubiratan e Oscar).

Embora tais expectativas, muitas vezes, se mostrassem irreais quando avaliadas com maior pragmatismo, a onda de frustração gerada após os seguidos “fracassos” acabou contaminando todo o ambiente. Em vez de uma “corrente para a frente”, às vezes parecia haver uma “corrente para trás” no basquete brasileiro, com uma incrível tendência à autodepreciação.

Na NBA, em que Nenê, Leandrinho, Varejão e Thiago Splitter fizeram sucesso a partir de 2002, chegamos a ter nove jogadores brasileiros na temporada 2015-16. Na WNBA, Janeth Arcain, tetracampeã entre 1997 e 2000, abriu as portas para outras quatorze brasileiras disputarem a competição, que atualmente conta com as promissoras Kamilla Cardoso e Stephanie Soares.

Todavia, medalhas e troféus continuaram em falta para as seleções nacionais.

O basquete brasileiro, enfim, tem um DNA vencedor que não se manifestou com a frequência desejável nos últimos anos. O que torna ainda mais significativa a recente vaga olímpica obtida pela equipe masculina.

Estar em Paris significa dar exposição para o basquete do Brasil no maior dos palcos. Significa colocar milhões de jovens torcedores em contato direto com a modalidade. Significa impulsionar milhares de atletas em escolas e clubes, mostrando que é possível “chegar lá”.

Se optarmos por ver “o copo meio cheio”, ficaremos felizes ao constatar que nove dos doze jogadores da seleção masculina que conquistaram o Pré-Olímpico na Letônia disputaram a Liga de Desenvolvimento de Basquete (LDB), competição sub-22 realizada desde 2011 que é organizada pela Liga Nacional de Basquete em parceria com o Comitê Brasileiro de Clubes (CBC).

Dentre esses atletas, um é o único com contrato na NBA atualmente (Gui Santos), outro disputou partidas pelo Memphis Grizzlies na última temporada (Mãozinha) e outros três (Bruno Caboclo, Cristiano Felício e Didi Louzada) foram selecionados há alguns anos no Draft da principal liga de basquete do planeta.

De todo o grupo, apenas o experiente Marcelinho Huertas, que disputará os Jogos Olímpicos pela terceira vez, não jogou nem a LDB e nem o NBB, principal competição de basquete do país.

Podemos enxergar que há algo de bom acontecendo? Sem dúvida. Porém, isso não torna o ecossistema do basquete nacional imune a críticas. Elas são muitas (isso é “papo para uma outra hora”).

No sentimento do torcedor casual que irá acompanhar a seleção masculina nas Olimpíadas, voltar para casa sem medalha será considerado um fiasco. Já para quem vai mais a fundo, é inegável a relevância da vaga simplesmente para manter o “fôlego” daqueles que fazem o basquete acontecer no Brasil.

Em outras palavras, precisávamos disso.

Estar em quadra para medir forças contra a França de Victor Wembanyama, contra a campeã mundial Alemanha ou, quem sabe, em caso de classificação, contra a versão atual do Dream Team dos Estados Unidos são momentos que, por si sós, têm potencial para converter espectadores eventuais em novos fãs ou, até mesmo, em novos praticantes da modalidade.

Foi assim comigo em 1992, como relatei em texto sobre esporte e memórias que publiquei aqui na coluna, do qual reproduzo esta passagem:

(…) lá estava eu em frente à televisão, acompanhando os Jogos Olímpicos de Barcelona. Foi quando me deparei com o Dream Team e com Michael Jordan.

(…) Jordan era, até ali, um sobrenome de algum modo familiar para mim, assim como me era vagamente familiar a ideia de que aquele era ´o Pelé do basquete´, como diziam as pessoas mais velhas ao meu redor.

Encantado com Jordan e seus ´superamigos´, desenhei em uma folha de papel os jogadores da seleção de basquete dos Estados Unidos, colei os desenhos em um pedaço de papelão, recortei-os e passei a usar os ´bonequinhos´ para brincar na quadra que, com a ajuda do meu pai, improvisei sobre a tampa de uma caixa de sapatos. E assim investi horas e horas fantasiando novas jogadas daquele time incrível.

Acompanhar a NBA daí em diante seria (e foi) natural.

Sabe quem o Dream Team de Michael Jordan enfrentou naqueles Jogos Olímpicos? Sim: o Brasil

Se não fosse por aquele jogo ocorrido em 31 de julho de 1992, em que o time liderado por Oscar e Marcel encarou Jordan, Pippen, Barkley e “grande elenco”, eu provavelmente não teria prestado tanta atenção na partida e, consequentemente, não teria me afeiçoado ao basquete.

A chance que eu tive em 1992 poderá ser, em 2024, a chance de incontáveis crianças brasileiras se conectarem com o jogo. A chance da descoberta de uma paixão que poderá acompanhá-las por toda a vida. Que poderá virar profissão, hobby ou lazer. Que poderá, enfim, transformar.

No fundo, se essa transformação for promovida por meio das estrelas da NBA com as quais essas crianças se deparam por todos os cantos, como LeBron, Curry, Durant, Jokić e Antetokounmpo, tudo bem.

No entanto, como seria sensacional se essa transformação viesse graças a Yago, Léo Meindl, Bruno Caboclo…Meninos daqui que “chegaram lá”.

Olha, mãe! Aquele é o Gui Santos, do Golden State Warriors! O narrador disse que o cara alto ao lado dele é o Lucas Dias, do Sesi Franca. Ele joga aqui no Brasil!

O comentarista falou que tem um outro jogador na seleção que está voltando para o Franca…Ali, o Georginho!

E foi o Franca quem fez as últimas duas finais do NBB contra o Flamengo, do Didi…

Sabia que o Didi foi draftado na NBA, mãe? O Caboclo também! E o Raulzinho, o Felício…

O Marcelinho Huertas jogou com o Kobe, no Lakers!

Mãe, amanhã você me leva para jogar basquete?”

Se teremos um novo Oscar ou uma nova seleção tão poderosa quanto a de Hortência, Paula e Janeth, só o tempo dirá.

Assim como só o tempo dirá se precisaremos, para voltar a alcançar os pódios, intensificar os esforços de naturalização de atletas estrangeiros e o “garimpo” de brasileiros espalhados pelo mundo que podem acabar vestindo a camisa de outras seleções.

É preciso dosar nossas esperanças. Mas não deixemos de sonhar. Sonhar com os pés no chão, como se diz. E sonhar com as “mangas arregaçadas”, para trabalhar muito, inclusive por uma política nacional de esportes que torne menos tortuoso o caminho até uma vaga olímpica.

Por ora, além de desfrutarmos, precisamos entender o que pode ser feito para que essa participação olímpica seja um catalisador em prol do basquete no Brasil.

Se fizermos o que tem de ser feito, medir forças em Paris significará conseguir muito mais por aqui.

Parabéns e boa sorte à seleção! Estaremos na torcida!

Crédito imagem: FIBA

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo

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