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Quanto vale?

Por Daniel Jardim e Rafael Butter

Vivemos, provavelmente, a época da história em que mais se discutem publicamente os salários e os ganhos financeiros de atletas profissionais, não importa a modalidade.

Com a recente “enxurrada” de contratações de estrelas do futebol europeu por equipes da Arábia Saudita, com a ida de Messi para os Estados Unidos e com a naturalidade com que o tema é tratado no ambiente das ligas esportivas norte-americanas, as discussões sobre quanto vale um determinado jogador, seja em termos salariais, seja em relação aos valores pagos em transferências, passaram a ser bastante comuns. Na mídia e nas mesas de bar.

Nesse contexto, em recente publicação, comentamos sobre a desvalorização dos running backs na NFL justamente em um momento no qual o patamar de remuneração de atletas de outras posições aumentou expressivamente.

De um lado, além de alguns quarterbacks firmando os maiores contratos de todos os tempos da liga, sejam eles veteranos, como Aaron Rodgers (US$ 50.2 milhões) e Russell Wilson (US$ 50 milhões), sejam eles jovens, como Justin Herbert (US$ 52.5 milhões) e Jalen Hurts (US$ 51 milhões), temos até mesmo jogadores de defesa, como o defensive tackle Quinnen Williams, do New York Jets, assinando vantajosas extensões contratuais (no caso, 4 anos por US$ 96 milhões, dos quais US$ 66 milhões garantidos).

Há ainda, no rol dos mais impressionantes ganhos salariais que o futebol americano já viu, o quarterback Lamar Jackson (US$ 52 milhões), que, mesmo sem ser representado por um agente, “venceu” as negociações com o Baltimore Ravens e alcançou o máximo de estabilidade financeira que se poderia imaginar.

De outro lado, porém, temos a crise enfrentada pelos atletas de uma posição que já foi a mais relevante do esporte da bola oval, mas que vem sendo relegada a um segundo plano quando o assunto é dinheiro.

Sim, os corredores, que colocam seu corpo em risco a cada rodada, a cada “domingo qualquer”, vêm sofrendo para ver traduzidos, em cifras, os resultados que proporcionam em campo.

O tema merece reflexão e, em tal cenário, convidamos o amigo Rafael Butter, que já participou conosco na coluna, para aprofundá-lo.

Nos primórdios da NFL, a posição de running back (RB) era considerada a mais nobre do jogo.

Grandes nomes como Jim Brown, Walter Payton, Barry Sanders e Eric Dickerson transformaram-se em lendas do esporte e elevaram o status da função de correr com a bola em busca de jardas no território adversário.

Entretanto, especialmente após os anos de 2010, os running backs vêm perdendo valor de mercado.

A propósito, a renovação dos contratos de três dos principais atletas da posição transformou-se em um dos assuntos mais repercutidos ao longo dos meses que antecedem a próxima temporada da NFL.

Saquon Barkley (New York Giants), Josh Jacobs (Las Vegas Raiders) e Jonathan Taylor (Indianapolis Colts), ao buscarem renovar seus contratos com o objetivo de, conforme as respectivas contribuições em campo, serem pagos da maneira que acreditavam ser justa, tiveram muitas dificuldades para chegar a acordos com suas equipes.

Isso gerou insatisfação e, não é exagero dizer, verdadeira revolta entre os running backs da liga, que, por meio de declarações em redes sociais, demonstraram seu descontentamento e apoiaram os colegas de profissão.

As franquias pelas quais esses jogadores atuam e também o Dallas Cowboys, em relação ao running back Tony Pollard, optaram por exercer a chamada franchise tag, que, automaticamente, vincula os atletas por mais uma temporada pagando o valor médio dos 5 maiores salários da posição.

Para os running backs, esse valor médio equivaleu a pouco mais de US$ 10 milhões por ano, quantia superior apenas àquelas pagas aos kickers e aos punters, posições de muito menor impacto no jogo de futebol americano.

Fica, então, o questionamento: por qual razão uma posição outrora tão gloriosa está perdendo valor na NFL atual?

O primeiro ponto para responder essa indagação está no fato de que existe uma grande oferta de running backs talentosos vindos do futebol americano universitário todos os anos. Na esteira dessa abundância, a função de correr com a bola é uma das que possui mais fácil transição do esporte universitário para o profissional, não sendo raro que um corredor já se destaque em sua primeira temporada na liga.

Outro ponto é a crescente valorização do jogo aéreo, perceptível quando examinamos, justamente, os citados salários dos quarterbacks na atualidade. Mudanças nas regras do jogo, motivadas não só por preocupações com a integridade física dos atletas, mas também pelo fator entretenimento fizeram da NFL uma liga muito mais de passes do que de corridas (jogadas aéreas tendem a ser mais plásticas do que as jogadas terrestres, impressionando mais os consumidores do esporte, sobretudo os jovens).

Pode-se apontar, ainda, o péssimo histórico recente de franquias que ofereceram um segundo contrato longo e caro a running backs. Por atuarem em uma posição em que a habilidade atlética é fundamental, os jogadores que correm com a bola costumam ter uma queda de produção após os 30 anos de idade. No mais, por ser uma posição que envolve muito contato (e, logo, muitas pancadas), aumentando a possibilidade de lesões, a equação custo-benefício costuma ser altamente desfavorável para os corredores à medida em que a idade vai chegando.

Para reforçar tal entendimento, eis alguns exemplos desse passado recente desfavorável. Conforme dados do portal Spotrac, Ezekiel Elliott, em 2019, fechou com o Dallas Cowboys um contrato de 6 anos e US$ 90 milhões de dólares. Na atual intertemporada, ele foi dispensado do elenco da equipe do Texas. Todd Gurley, no ano de 2018, assinou com o Los Angeles Rams um contrato de 4 anos e US$ 57,5 milhões. Sem atuar desde 2020, ele anunciou a aposentadoria em outubro de 2022.

Como a NFL trabalha com a figura do teto salarial, as franquias ficam muito comprometidas quando, após assinarem contratos longos, decidem trocar ou dispensar um atleta, correndo o risco de terem de continuar pagando jogadores que sequer entram em campo.

Por todos esses fatores, chegou-se a um consenso: em uma liga que mais passa do que corre com a bola, não é vantajoso assinar contratos longos e caros com running backs que, fatalmente, vivenciarão um declínio técnico ano após ano, sendo possível utilizar o Draft para recrutar jogadores mais novos e baratos que podem se adaptar rapidamente e contribuir de forma efetiva com a produção ofensiva em campo.

E qual seria, a longo prazo, a pior consequência desse movimento de desvalorização dos running backs? Uma possível escassez de jogadores na posição.

Logicamente, jovens que se destacarem por suas habilidades atléticas poderão, com o tempo, se sentir encorajados a atuar em outras posições que estejam sendo mais valorizadas no futebol americano. Ou, quem sabe, poderão até mesmo buscar outros esportes. Afinal, em uma carreira curta, colocar o corpo tantas vezes em risco sem a melhor das perspectivas de retorno talvez não faça sentido…

Algumas soluções vêm sendo debatidas para endereçar a questão. A fim de entendermos quais são elas, examinemos, brevemente, como funcionam os contratos dos calouros na NFL.

Tais contratos são tabelados previamente de acordo com o momento de seleção desses jogadores no Draft. Assim, os primeiros atletas a serem escolhidos assinam contratos de valores mais expressivos, independentemente de suas posições em campo.

Em regra, os contratos de calouros possuem 4 anos de vigência. Todavia, caso o atleta tenha sido selecionado na primeira rodada do Draft, a franquia que o escolhe pode exercer a opção de ativar um 5º ano de contrato.

Alguns especialistas defendem que o contrato de um running back calouro deveria ser reduzido para 3 anos, permitindo que eles pudessem negociar, enquanto ainda são jovens e possuem mais “gás no tanque”, um segundo contrato.

Lembremo-nos: os running backs, sem dúvida, são os atletas que mais sofrem contato durante as partidas de futebol americano. Permitir uma maior valorização no começo de suas carreiras, já que eles tendem a cair de produção drasticamente após os 30 anos de idade, seria uma maneira inteligente de amenizar a situação.

Outro argumento defendido por especialistas para solucionar a crise seria a extinção da franchise tag, ampliando a margem de manobra dos jogadores nas negociações contratuais e as chances de conseguirem melhores acordos.

Ocorre que essa mudança dependeria de uma profunda reformulação do acordo coletivo de trabalho celebrado entre a NFL e a associação dos atletas (tanto o contrato de calouro com duração de 4 anos quanto a franchise tag foram renovados na última negociação coletiva, em 2020).

Apesar do momento de baixa, ninguém nega que o jogo terrestre é imprescindível para o sucesso de qualquer time no futebol americano. A revolta dos running backs surtirá algum efeito? A liga, que responde aos donos das franquias, agirá mais diretamente para “reequilibrar” a balança? A posição sofrerá com a escassez de talento no longo prazo?

Só o futuro nos dará as respostas. Por ora, uma coisa é certa: além de correrem com a bola, os running backs terão de correr atrás de maneiras de melhorar a recompensa financeira oferecida em contrapartida a seus sacrifícios físicos.

Enquanto isso, continuaremos nos perguntando: quanto vale um running back?

Crédito imagem: Abbie Parr/AP

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Rafael Butter é graduado em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com curso de Aperfeiçoamento em Gestão Esportiva pela FIFA/CIES/FGV e MBA em Negócios do Esporte e Direito Desportivo pelo Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN).

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