A coluna está de volta após um breve hiato em função da organização da segunda edição do seminário “Esporte, Estado e Mercado: um diálogo necessário”, evento que é fruto de parceria entre o Lei em Campo e a Liga Nacional de Basquete e que integra a semana do Jogo das Estrelas do NBB.
O tema da vez, por aqui, volta a ser o beisebol. Mas não exatamente o jogo disputado nos limites do campo que tem o formato de um diamante.
Mesmo quem não acompanha a modalidade talvez já tenha ouvido falar em Shohei Ohtani, atleta japonês que, ainda aos 29 anos de idade, já é considerado um dos maiores jogadores de todos os tempos por seu excelente desempenho tanto na função de arremessador quanto na função de rebatedor.
Ohtani, que também possui a marca de ter sido o primeiro jogador na história a ter duas nomeações unânimes como MVP da MLB, “furou a bolha” do beisebol no final de 2023 ao assinar o maior contrato já visto em qualquer esporte profissional: US$ 700 milhões de dólares garantidos para jogar por 10 anos pelo Los Angeles Dodgers.
Outro fator que chamou a atenção foi a inusitada estrutura de tal contrato, pensada para dar maior flexibilidade ao Dodgers na atração de outras estrelas e para gerar economia tributária para o jogador.
Ohtani receberá “apenas” US$ 2 milhões por temporada entre 2024 e 2033. De 2034 em diante, serão US$ 68 milhões por ano até 2043.
Ao comentar o acerto, o astro japonês declarou: “Fizemos os cálculos e chegamos à conclusão de que posso adiar o máximo de dinheiro se isso ajudar na taxa e permitir aos Dodgers contratarem melhores jogadores e montarem um time melhor. Sinto que vale a pena e estava de acordo com isso, por isso fiz essa escolha”.
Essa maneira de pagar a remuneração de um atleta, inviável na NFL e na NBA em razão das regras salariais, recebeu duras críticas do Poder Público da Califórnia, cujo erário deixará de contar, no curto prazo, com uma arrecadação mais robusta em razão do diferimento dos tributos a serem pagos por Shohei Ohtani.
Em comunicado oficial, estas foram as palavras de Malia Cohen, integrante do quadro executivo do governo californiano:
“O atual sistema permite diferimentos ilimitados para aqueles que têm a sorte de estar nos escalões fiscais mais elevados, criando um desequilíbrio significativo na estrutura de arrecadação. A ausência de limites razoáveis de diferimento para os indivíduos mais ricos agrava a desigualdade e dificulta uma tributação justa. Conclamo o Congresso a tomar medidas imediatas e decisivas para corrigir essa distorção. A introdução de limites quanto a benefícios fiscais para os trabalhadores com rendimentos elevados promove a responsabilidade social e contribui para um sistema fiscal benéfico para todos. Tal ação não só criaria um ambiente mais equitativo, mas também geraria receitas adicionais que poderiam ser direcionadas para abordar questões sociais importantes e prementes e promover a estabilidade econômica”.
Polêmicas contratuais e tributárias à parte, o fato é que, por motivos indesejados, Shohei Ohtani voltou aos holofotes nos últimos dias.
Em 19 de março, a jornalista Tisha Thompson, da ESPN, reportou que Ippei Mizuhara, intérprete de longa data do jogador japonês, teria afirmado que Ohtani transferira milhões de dólares para cobrir uma dívida que Mizuhara contraíra no mercado de apostas esportivas ilegais. Enquanto a ESPN se preparava para publicar a matéria, advogados do atleta entraram em cena e desmentiram a informação, dizendo que Ohtani, na verdade, havia sido vítima de um massivo desvio de dinheiro arquitetado por seu intérprete.
Na sequência, Ippei Mizuhara foi demitido pelo Los Angeles Dodgers sob a acusação de ter desviado US$ 4,5 milhões das contas de Ohtani para uma casa de apostas que está sob investigação federal.
Quem também iniciou uma apuração formal sobre o caso foi a MLB.
Na segunda-feira, 25 de março, Ohtani convocou a imprensa para um depoimento protocolar, sem que fossem permitidas perguntas, no qual negou veementemente qualquer envolvimento com apostas.
Evidentemente, se ficar comprovado que alguma irregularidade foi cometida pelo principal “rosto” do beisebol na atualidade, os danos podem ser irreversíveis.
Ohtani foi vítima de um crime ou foi cúmplice de seu intérprete, tendo incidido assim, no mínimo, em um desvio ético e moral? Seria Ohtani o verdadeiro apostador e Ippei Mizuhara apenas um “laranja”? As apostas envolveram jogos da MLB?
Com efeito, as versões conflitantes da história deixam muitas perguntas sem resposta e um incômodo espaço para especulações, acentuando a complexidade da relação entre esportes e apostas.
A propósito, no dia anterior à divulgação do “caso Ohtani” pela ESPN, a NBA anunciou que iria incorporar ao NBA League Pass, plataforma de streaming da liga, uma ferramenta para quem quiser apostar nos jogos de basquete transmitidos ao vivo. Por ironia do destino, horas depois da declaração pública de Ohtani, a mesma ESPN noticiou que o jogador Jontay Porter, do Toronto Raptors, estava sob investigação por supostas violações às normas do acordo coletivo de trabalho sobre apostas esportivas.
Ohtani vende ingressos e atrai patrocinadores. Mesmo que seja inocentado, ainda não é possível prever o grau de “manchas” reputacionais que o episódio deixará, o que é um verdadeiro pesadelo para a MLB e para todo o ecossistema esportivo norte-americano.
Curiosamente, “Shohei Ohtani” e “apostas” são expressões que já apareceram juntas, há pouco tempo, no noticiário dos Estados Unidos. Isso porque no último mês de dezembro, durante o período em que o atleta era agente livre, surgiu na mídia um boato de que Ohtani teria embarcado para Toronto, despertando uma onda de palpites de que ele assinaria com o Toronto Blue Jays.
Com isso, milhões de dólares foram apostados em uma vitória do Blue Jays na World Series, a grande final da MLB.
Ocorre que, pouco tempo depois do furor, revelou-se que quem estava em um jatinho rumo ao Canadá não era Shohei Ohtani, e sim Robert Herjavec, famoso pelo programa “Shark Tank”. No dia seguinte, Ohtani anunciou o seu controverso contrato com os Dodgers, frustrando os apostadores.
O mundo do Direito Desportivo estará atento ao desfecho das investigações sobre o que realmente aconteceu entre Ippei Mizuhara e Shohei Ohtani.
E continuará zelando para que a conscientização de todos os envolvidos e uma regulação madura, tanto do ponto de vista público quanto do ponto de vista privado, possam nos livrar das sérias ameaças à integridade do esporte.
Crédito imagem: Harry How/Getty Images
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