Por Ricardo Garcia Horta
Na última semana, a Confederação Brasileira de Basquete (CBB) confirmou através do ofício nº 340/2023 a retirada da chancela da Liga Nacional de Basquete como organizadora do campeonato nacional masculino profissional do país.
Foi comunicado que “não são mais competições oficiais do sistema CBB ou FIBA toda e qualquer competição que venha a ser realizada e/ou organizada pela LNB, como o NBB e a LDB”.
Isso significa, também, que o Novo Basquete Brasil (NBB) não é mais o torneio de acesso para vagas em competições internacionais como a Basketball Champions League Americas e a Liga Sudamericana de Baloncesto, a partir da próxima temporada.
Esse seria mais um dos muitos conflitos existentes entre Federações e Ligas pelo controle de uma modalidade, que Nas palavras do professor Álvaro Melo Filho:
“(…) impende esclarecer que a cogitada ‘liga independente’ torna-se inviável diante da interpretação sistemática da própria Lei n. 9.615/98. (…) Ou seja, se isso acontecesse estaria configurada uma contradição com a própria Lei nº 9.615/98, a par de fazer-se tabula rasa do reconhecimento internacional do monopólio dos entes diretivos nacionais das respectivas modalidades desportivas.”[1]
Nas últimas décadas, os desentendimentos foram constantes no basquete brasileiro. A CBB se resguarda pela disposição do Art. 12, I. de seu Estatuto e arts. 18-A, VIII, 21 e 23, §2º, da Lei 9.615/98, acerca do controle da modalidade realizado pela respectiva entidade nacional de administração do desporto (ou [com]federação nacional), filiada à respectiva Federação Internacional. Enquanto as ligas, por outro lado, baseiam-se na fundamentação dos artigos. 16 e 20, da própria Lei Pelé, os quais versam sobre a autonomia organizacional e funcional das Ligas, bem como as condições para integrarem o Sistema Nacional do Desporto.[2]
Retrospectiva
Em 2005, 20 clubes representados pelos ídolos nacionais Oscar Schmidt, Hortência Marcari e Magic Paula (que renunciou ao cargo de vice-presidente da CBB, recentemente), uniram-se para formar a Nossa Liga de Basquete, uma liga independente, alegando insatisfações acerca da administração da modalidade.
Com isso, dois campeonatos de âmbito nacional foram disputados simultaneamente em 2006 e, só por conta de um acordo entre ambas as organizações, foi decidido que haveria um hexagonal com as quatro equipes mais bem colocadas da competição da CBB e duas da Nossa Liga, para definir o campeão.
O que poderia ser um ensaio acerca da perspectiva de coexistência entre dois campeonatos de âmbito nacional, teve um resultado negativo, no entanto. Brasília (associado a CBB), que não se classificou para a final, pleiteou em medida liminar na justiça comum pela suspensão do campeonato, alegando a inscrição irregular de um dos atletas da equipe Rio/Telemar (associada a NLB e última colocada do hexagonal), obtendo decisão favorável.
Diante da indignação e manifestações de reprova das equipes finalistas, a CBB, então, decidiu por cancelar a competição, que acabou sem um vencedor.
2007 foi o ano em que, pela segunda vez[3], desde o primeiro campeonato brasileiro em 1965, não houve qualquer competição nacional de basquete em virtude da falta de participantes.
Mesmo após muito esforço dos integrantes, a NLB não alcançou os resultados esperados ao encontrar dificuldades em atrair a atenção do público e patrocinadores, encerrando suas atividades em 2008. Isso levou a crer que seria outro ano sem a realização de um campeonato nacional, uma vez que a CBB não havia reunido clubes interessados suficientes para disputarem seu torneio.
Porém, em 01.08.2008, a Liga Nacional de Basquete foi criada pela união dos clubes brasileiros que disputavam a modalidade em alto nível e firmou-se o Termo de compromisso com a CBB. O instrumento autorizava a LNB a organizar o campeonato brasileiro profissional masculino (o Novo Basquete Brasil) por prazo indeterminado ou “enquanto a LNB estiver realizando o campeonato” conforme pactuado no primeiro Termo realizado entre as partes em 2008 e reafirmado, posteriormente, no Termo Aditivo assinado em setembro de 2018.
Em 2014, o NBB aderiu ao sistema de ascenso e descenso (característica particular no modelo federativo, curiosamente) e criou a divisão de acesso para o NBB, denominada de “Liga Ouro”, organizada pela própria LNB, além de estabelecer que os dois últimos colocados do NBB seriam rebaixados para a divisão de acesso.
Em 2020, a pedido da CBB, foi transferida pela LNB a realização da Liga Ouro para a própria Confederação. Mesmo com a cessão do torneio, e embora pactuado entre as partes no Termo Original e no Aditivo que “(…)não podendo, a CBB ou qualquer outro filiado ou empresa com a chancela da Confederação, promover, Campeonatos ou Torneios com estas mesmas características enquanto a LNB o estiver realizando” a CBB renomeou a Liga Ouro como Campeonato Brasileiro de Basquete.
No ano passado, as entidades passaram a apresentar desentendimentos[4] acerca da indicação das equipes para a Liga Sudamericana, o que nunca havia ocorrido anteriormente: A LNB, amparada pelo Termo e seu aditivo que expõe “As indicações da CBB atenderão sempre aos critérios de meritocracia das equipes baseada em suas colocações exclusivamente nos campeonatos que a LNB realizar” sabendo que haveria uma quarta vaga para a Liga Sul-americana, tratou de notificar a CBB e a FIBA sobre o direito à vaga. Todavia, a Confederação já havia indicado o campeão da segunda divisão para a disputa do torneio. A LNB, então, pleiteou a indicação da vaga na justiça comum. Em razão da ação, a CBB realizou Assembleia Geral para discutir o futuro da parceria e, de maneira unilateral, decidiu pelo encerramento do acordo. A LNB, por sua vez, ratificou em sua Assembleia pela continuação do Termo de Compromisso.
A CBB argumenta que os motivos da ruptura se devem a Liga desrespeitar reiteradas vezes suas obrigações e deveres previstos no Termo e aditivos, além de descumprir deveres e obrigações estatutárias enquanto membro da CBB. No entanto, em seu site[5] a LNB permanece indicada como uma liga sob sua chancela, além de não existir nenhuma notícia sobre o fim da parceria.
Ademais, em fevereiro desse ano, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva da CBB multou a LNB em R$170 mil por infração ao art. 191, II, do CBJD, além de reconhecer a incompetência do STJD da LNB para aplicar quaisquer punições. Vale lembrar que o Tribunal da Liga, que desde 2018 era uma comissão do STJD, foi recriado como órgão independente e passou a julgar, após decisão unânime de seu Conselho de Administração, demandas em instância recurso da sua própria Comissão Disciplinar, em 2021, nos termos dos arts. 20 e 50 da L 9.615/98. O basquete se tornou, assim, a única modalidade no Brasil com dois STJDs em funcionamento.
Na tentativa de solucionar os conflitos, foi instaurado procedimento de mediação evolvendo as duas entidades perante a Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem (CBMA), a qual não terminou em acordo.
Foi determinada, então, a desfiliação da LNB do sistema FIBA (cabe destacar que outras ligas, como a Euroleague e a National Basketball Association [NBA], estão na mesma situação).
Em abril, os 20 clubes disputantes do NBB reafirmaram suas participações na próxima temporada (2023-24) e reforçaram o compromisso com o desenvolvimento da modalidade[6]. Ademais, o Presidente da competição, Rodrigo Franco Montoro, declarou que o NBB irá continuar em funcionamento independente da concessão da chancela.
A Associação de Atletas Profissionais de Basquetebol do Brasil (AAPB) ainda não se manifestou oficialmente. Apesar disso, o colunista do Lei em Campo e advogado da associação, Filipe Orsolini de Souza, em entrevista concedida para o Sportscenter demonstrou a preocupação dos atletas no sentido da CBB ter a obrigação de promover a competição em território nacional, ou seja, o campeonato organizado por ela deverá existir. Assim, instaura-se a expectativa quanto ao anúncio do campeonato da CBB, para trazer uma maior segurança e futuro acerca da indicação de equipes em competições internacionais, bem como a elegibilidade para a convocação na seleção brasileira.
Nem sequer mencionada na discussão, a situação dos árbitros, mesários e estatísticos é ainda mais incerta, ante a ausência de contrato de trabalho ou salário fixo. A Associação Brasileira de Árbitros e Oficiais de Mesa do Basquetebol (ARBBRA) não se manifestou.
Dois lados da mesma moeda?
A LNB apresenta planejamento, transparência e controle financeiro (um exemplo é a necessidade das equipes apresentarem Certidão Regular de Valores Contratuais, ou o “nada consta”, desde 2014), além de um excelente trabalho de marketing. Ao lado da Liga Nacional de Futsal e a Liga Brasileira de Polo Aquático, correspondem, hoje, como as únicas Ligas independentes do Brasil.
Apresenta Conselho de Administração dos clubes formado por representantes dos 9 clubes originários que retrata o poder de decisão conjunta e participação das equipes. Conselho fiscal, responsável pela fiscalização de receitas, despesas e auditoria externa. Além de 12 integrantes que compõem o Conselho Nato, o qual detém poder de veto em Assembleia Geral.
A Liga é reconhecido por sua credibilidade no combate ao doping, manipulação de resultados e à discriminação. Submete-se ao monitoramento da GeniusSports empresa que realiza a análise do padrão de apostas esportivas, costume do apostador e ação in game. Dispõe de Portal de denúncias íntegro. Além da Obrigatoriedade de CETD, ou necessidade de comprovação do vínculo contratual perante a Liga, por força da inclusão do art. 63 ao Regulamento Geral do NBB 2016-17.
O NBB é a competição com a terceira maior audiência em transmissões por TV, streaming e lives no país, ficando só atrás da Copa do Brasil e Série A do Brasileirão. Foi a 1ª competição do Brasil a realizar a própria transmissão. Importante destacar a parceria realizada com o Grupo Globo de televisão, para a difusão do NBB1 (2008/2009) e edições seguintes. Hoje, as partidas são transmitidas na ESPN, SporTV, TV Cultura, Youtube, Twitch (plataforma de transmissão de jogos on-line) e em emissoras regionais, como a TV Itararé de Campina Grande/PB. Popularidade do Jogo das Estrelas onde ocorreu a parceria com o Lei em campo na realização do seminário Esporte, Estado e Mercado: um diálogo necessário envolvendo temas como Direitos Humanos e Compliance. Ainda, realiza desde 2013 a Liga de Desenvolvimento (LDB) em prol da evolução das categorias de base.
A CBB, por sua vez, é a responsável pela administração das seleções, além da organização de campeonatos nas categorias de base (sub13 a sub23), masculinas e femininas, destacando-se o Campeonato Brasileiro Interclubes (CBI), além do 3×3. Após passar por um processo de reestruturação econômica e mudanças na diretoria e presidência – Guy Peixoto Jr, com mandatos consecutivos (2017 a 2025) – vem recuperando sua integridade.
Também dispõe de Conselho de Administração, formado por representantes dos atletas, treinadores, clubes e 10 federações estaduais. Conselho fiscal e; Comissão de Atletas constituída por 8 integrantes, com funções consultivas e deliberativas.
Realiza o CBC, desde 2020, que apresenta uma média de 12,5 participantes por edição (10 equipes em 2023; 14 em 2022; 12 em 2021 e 14 em 2020) com duração de 4 meses. A transmissão é feita pela CBB TV em parceria com a GCS Sports (canal da plataforma YouTube). Utiliza do sistema FIBA live stats da GeniusSports. Tem como patrocinadores a odds & scouts – responsável pela geração de dados para plataformas de apostas esportivas e integridade e, como master a galera.bet.
Contudo, estaria a instituição reconstruída de fato, de modo a administrar individualmente a modalidade do basquetebol!?
A CBB ainda não se manifestou oficialmente até o momento acerca do calendário da competição ou disponibilizou o Regulamento Geral do Novo Campeonato Brasileiro de Clubes.
Reais motivos da disputa
Direitos de transmissão. O aumento do consumo do basquete nos últimos anos em todo mundo, fez com que os direitos de transmissão dos campeonatos fosse um produto altamente rentável. A finalidade maior é atrair patrocinadores – ou quem “paga as contas”, uma vez que todas as equipes ou entidades de prática esportiva, bem como as Federações e demais organizadores, dependem da receita proveniente das transmissões das competições, ainda que uns mais e outros menos. No entanto, é importante ressaltar que o campeonato mais atraente é aquele que, além de imprevisível, apresenta atletas mais talentosos.
O Comitê Brasileiro de Clubes fornece passagens aéreas durante a fase de classificação, enquanto o transporte terrestre, estadia e alimentação são suportados pelas equipes. Esse seria um fator determinante para garantir o apoio dessas, caso o custeio dessas e outras despesas fixas (como a taxa de arbitragem) fosse realizado pelo organizador da competição. Outro ponto suscitado pelas equipes é a falta de premiação em dinheiro oferecida pelos campeonatos.
Ademais, a participação em competições internacionais é cara enquanto o retorno só se torna palpável para as equipes finalistas. (Premiações. BCLA 2022-23: cada time classificado para as oitavas recebe U$7.500; os vencedores das quartas – U$20.000; 2º colocado – U$50.000; e U$60.000 para o campeão. Sudamericana: não oferece premiação em dinheiro).
Possíveis consequências
(I)Afastamento de investidores e parcerias devido à instabilidade política e jurídica, falta de confiança e credibilidade perante as instituições e incerteza em relação a políticas econômicas, regulamentações e estabilidade financeira (‘ambiente volátil’) Seja para as organizações, competições ou clubes.
(II)A FIBA poderá impor punições a CBB por falta de controle total do basquete, como o fez em 2016. Isso poderia levar à suspensão das equipes e seleção brasileira de disputarem qualquer competição organizada pela Federação Internacional. A LNB, por já não estar mais filiada à FIBA, não sofreria punições.
(III)Desvalorização do passe de atletas do NBB pela falta de visibilidade e reconhecimento internacional. Uma solução poderia ser desfrutar da parceira com a NBA, para volta da realização dos jogos de pré-temporada envolvendo equipes das Ligas.
(IV)Enfraquecimento das categorias de base e respectivas competições (LDB e CBI) pela falta de competitividade e ausência de um sistema de progressão claro ou bem estruturado.
(V)Falta de equilíbrio competitivo: consolidação de vantagem significativa entre as equipes, devido à superioridade de recursos financeiros, comprometendo, assim, a imprevisibilidade dos resultados.
Reflexões
(I) O basquete masculino brasileiro passa por um momento de incertezas e, dentro desse contexto, percebe-se que a situação está longe de um final feliz. Entretanto, a participação estatal como fomentador do desporto ocorre de forma direta (regulação) ou indireta (atividade das entidades que integram o Sistema Nacional do Desporto), mas sempre ocorre de alguma forma. Afinal é necessária, uma vez que o esporte é um Direito social, estabelecido no art. 6, da CRFB/88 nas formas do trabalho e lazer.
(II) A Liga proporcionou o resgate do basquete masculino profissional, mediante uma melhor exploração da atividade econômica, enquanto a CBB mostrou-se enfraquecida por um bom tempo. Sua recuperação só ocorreu após mudanças da diretoria e recentes campeonatos nacionais bem organizados, além da associação de clubes e parceiros realmente interessados no desenvolvimento da modalidade.
(III) Um acordo coletivo com fundamento no art. 611 e seguintes, da CLT, nos moldes do Collective Bargaining Agreement, da NBA, poderia ser uma alternativa de modo a promover uma maior cooperação e melhor distribuição da atividade. No entanto, um consenso entre todos os possíveis interessados mostra-se utópico.
(IV) Ante a desfiliação da Liga ao modelo piramidal e hierárquico federativo, como ficará a situação das equipes do NBB que também disputam os campeonatos organizados pelas respectivas federações estaduais? Elas estarão impedidas de participar, ou as FEs se sujeitarão a uma possível desfiliação da CBB!?
(V)A seleção brasileira é o maior sonho de qualquer atleta, seja daquele que disputa o NBB ou o CBB. Porém, a consolidação da atividade de trabalho, por meio do recebimento de um salário digno e respeito ao seu CETD pelo clube empregador, é o principal objetivo de todos. Ou seja, será a preferência dos atletas disputarem o campeonato que se provar mais lucrativo e equilibrado. Vale lembrar que a Liga nunca ofereceu qualquer impedimento para que seus atletas defendem a seleção nacional.
(VI) Por fim, não há que se atribuir o presente momento a falta de resultados expressivos da seleção nacional durante os últimos anos. Na verdade, o momento que era para ser de união em prol do basquetebol, às vésperas de uma Copa do Mundo[7] FIBA, passou a ser um campo de disputas onde o principal motivo não é o basquetebol em si, mas sim, o controle político.
Até a próxima!
Crédito imagem: Minas Tênis Clube
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Ricardo Garcia Horta é graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestrando em Direito Desportivo pela mesma instituição e mentorado FUTJUR na área de Transferências e Contratos no futebol.
[1] MELO FILHO, Álvaro. Ligas Profissionais: Contornos e Marcos Jus-Desportivos. In: Revista Brasileira de Direito Desportivo. Ano 15. Nº 28. Porto Alegre: Lex Magister, 2016.
[2] Para fins de contextualização: O PL 1825/2022, conhecido como a Nova Lei Geral do Esporte previa em seu art. 216 a inclusão das ligas no conceito de organização esportiva que administra e regula o esporte. No entanto, o dispositivo foi objeto do veto presidencial de 14.06.2023.
[3] A primeira vez foi em 1976, devido a CBB optar pela preparação da Seleção brasileira masculina para o Torneio Pré-Olímpico no mesmo ano.
[4] https://lnb.com.br/noticias/liga-nacional-de-basquete-assembleia-geral-extraordinaria-30-de-agosto-de-2022/
[6] https://lnb.com.br/noticias/unidos-pelo-nbb/
[7] Com início em 25.08. Sedes: Filipinas, Indonésia e Japão.