A coluna está de volta depois de algumas semanas especialmente dedicadas a uma viagem que fiz aos Estados Unidos, nas quais vivenciei momentos que dividirei com você, caro leitor, nas próximas linhas deste texto.
O título que escolhi faz alusão a um dos versos do hino nacional norte-americano. Depois de tanto ouvir The Star-Spangled Banner (A Bandeira Estrelada) em alto e bom som antes das partidas da NBA e da NFL que acompanhei ao longo dessa jornada, a inspiração foi natural.
Não foi a primeira vez que tive o privilégio de assistir, in loco, jogos das ligas profissionais dos Estados Unidos. Porém, a oportunidade de fazer isso de forma tão concentrada e intensa em dias consecutivos trouxe contornos únicos àquilo que vi, ouvi e aprendi.
Meu primeiro relato é sobre a partida do In-Season Tournament, a recém-encerrada Copa da NBA, entre Orlando Magic e Toronto Raptors. Foi interessante perceber o quanto a liga conseguiu, por meio de uma identidade visual diferente, conferir personalidade à nova competição.
O layout das quadras, distinto daquele usado nas partidas da temporada regular, causou estranheza em parte do público. Não foi o caso do Amway Center, arena em que o Magic manda os seus jogos. A franquia de Orlando optou por um design mais sóbrio e menos extravagante do que o visto em outros ginásios.
De qualquer forma, era muito fácil perceber, em todo o ambiente, que a ocasião era especial, e não uma partida qualquer da longa temporada regular da NBA.
Aproveito para registrar a minha aprovação em relação à nova competição, vencida pelo Los Angeles Lakers em mais um feito histórico de LeBron James. Seja ao modificar aspectos gráficos e estéticos nas arenas e nas transmissões, seja ao promover comercialmente as partidas de maneira diferenciada, a liga conseguiu aplicar à Copa um “selo” de exclusividade que, à primeira vista, teve mais apoiadores do que detratores na comunidade do basquete. Que venham as próximas edições!
No dia seguinte ao da vitória do Magic sobre o Raptors por 126 a 107, fui a um outro jogo que, embora válido somente pela temporada regular, também era uma ocasião especial: o encontro com o atual campeão Denver Nuggets e com o melhor jogador da atualidade, o sérvio Nikola Jokić.
Com muito brio, a equipe de Orlando venceu por 124 a 119, consolidando a ótima fase na atual temporada. E, sim, ver Jokić de perto é um deleite para o fã do basquete.
Tudo parece muito fácil e fluido para um atleta daquele tamanho (2,11 metros e quase 130 kg), que demonstra absoluto controle em relação ao que acontece em quadra. O pivô anotou 30 pontos, com 13 rebotes e 12 assistências em 36 minutos. Fascinante!
Voei da Flórida para Nova Iorque para acompanhar, em Nova Jersey, a primeira partida da história da NFL realizada em uma Black Friday, o jogo entre New York Jets e Miami Dolphins.
A transmissão exclusiva se deu pela plataforma de streaming da Amazon, o Prime Video, com uma média de audiência de 4 milhões de pessoas e um alcance total de 9,61 milhões de acessos.
Bastava cadastrar um e-mail para assistir de graça, sem precisar ser assinante do serviço. Naturalmente, dezenas de ofertas eram enviadas a partir desse cadastro. E, assim, a roda do capitalismo digital continua a girar (a Amazon pagou US$ 100 milhões de dólares pelos direitos de transmissão da partida).
Um detalhe interessante: o jogo começou em um horário relativamente atípico (15h) em razão do The Sports Broadcasting Act, de 1961. Trata-se de uma lei antitruste que, salvo exceções, proíbe partidas da NFL às sextas-feiras, para que elas não concorram com partidas de futebol americano do ensino médio, tradicionalmente disputadas nesse dia nos Estados Unidos (daí a expressão Friday Night Lights, que dá nome a livro, filme e série de TV).
É esse mesmo Sports Broadcasting Act que impede, durante a temporada regular do futebol americano universitário, a disputa de jogos da liga profissional aos sábados.
Eis um ótimo exemplo do Direito protegendo a cultura, os valores imateriais e também, mesmo em níveis teoricamente “amadores”, os “produtos” gerados pelo esporte.
Dois dias depois de Jets x Dolphins, voltei ao imponente MetLife Stadium, um dos candidatos a sediar a final da Copa do Mundo de futebol em 2026, para acompanhar a repetição de um duelo que já decidiu, em 2008 e 2012, quem seria o campeão da NFL: New York Giants contra New England Patriots.
Desta vez, no entanto, quase nada lembrava o glamour das históricas batalhas entre Tom Brady e Eli Manning no Super Bowl. Se as equipes estão enfraquecidas, a capacidade dos norte-americanos de “envelopar” um evento esportivo continua mais forte do que nunca.
Foi bem interessante notar a transformação do MetLife Stadium nos mínimos detalhes. Em menos de 48 horas, o verde do Jets deu lugar ao azul do Giants nas mesas e cadeiras dos bares, em placas de sinalização e em cada espaço economicamente explorável do estádio.
As atmosferas eram tão díspares (os perfis das torcidas contribuem para isso, obviamente) que um “turista” mais desavisado poderia realmente acreditar que estava em um endereço diferente.
No mais, tudo funcionou perfeitamente para o torcedor, com destaque para a logística de transporte. A propósito, embarquei na estação que fica praticamente dentro do MetLife Stadium e desembarquei na famosa Penn Station, imediatamente abaixo do lendário Madison Square Garden.
Fui um dos 19.812 felizardos com ingressos para presenciar, no ginásio conhecido como “a Mecca do basquete”, a partida entre New York Knicks e Phoenix Suns.
O único senão foi a ausência de um poupado Kevin Durant, que viu a partida do banco, “em trajes civis”. Todavia, a noite foi incrível mesmo assim, dentro e fora de quadra.
Um arremesso decisivo de Devin Booker para dar a vitória aos visitantes praticamente no último lance do jogo e o clima característico do sportainment proporcionado pela NBA continuarão em minhas memórias por bastante tempo.
Estive anteriormente no Madison Square Garden há cerca de 11 anos e, apesar de modificações que ampliaram os espaços de hospitalidade, com novas suítes e lounges, percebi que a arena está naturalmente defasada em alguns aspectos, como as saídas pelas estreitas escadas comuns.
De toda forma, o ginásio passa por obras e uma renovação certamente virá para compatibilizar o local às exigências da atualidade e de um futuro que já chegou em termos de comodidade para o público.
O que as ligas esportivas dos Estados Unidos há muito entenderam e endereçam com inegável maestria é o fato de que existem torcedores à moda antiga, que acompanharão o time do coração em qualquer circunstância, e existem torcedores que demandam outros cuidados para serem cultivados.
O jogo é para todos e os equipamentos esportivos precisam absorver essa diversidade a fim de que as pessoas escolham gastar o seu dinheiro naquele local, seja com regularidade ou apenas eventualmente.
Afinal, vivemos a era da “economia da atenção”, ou, melhor dizendo, da “economia da distração”, em que, com os smartphones, todos têm acesso a tudo o tempo inteiro, o que torna mais sensível a decisão de se deslocar para investir algumas horas em qualquer coisa que seja.
Isso vale para estádios/arenas, em que há uma facilidade maior em seduzir o torcedor com ações de marketing voltadas para o Match Day, e vale para lojas e afins (fui às lojas oficiais da NBA e da MLB em Nova Iorque e, como milhares de outras pessoas que já estiveram por lá, saí encantado).
Ainda estamos distantes dessa realidade, mas é em direção a ela que o Brasil, no mínimo desde o Estatuto do Torcedor promulgado há mais de 20 anos e revogado pela Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023), deveria caminhar de um ponto de vista institucional.
Na iniciativa privada, há entidades esportivas brasileiras que souberam assimilar as boas lições que vêm de fora e, fazendo as devidas adaptações, tornaram a experiência de seus torcedores mais atrativa.
Há outras, entretanto, que ainda usam a paixão como “muleta” e se acomodam em hábitos ultrapassados que só servem para afugentar o fã mais exigente e aqueles que, se tratados da maneira adequada, poderiam se tornar novos fãs/consumidores.
Felizmente teremos, em 2024, a chance de receber uma partida oficial da NFL em nosso país, conforme anunciado no dia 13 de dezembro.
Em minha última coluna antes da viagem aos Estados Unidos, escrevi que o voo da bola oval em algum estádio do Brasil parecia questão de tempo. Esse tempo chegou!
Tenho a legítima expectativa de que o evento e tudo o que o cerca servirão como um verdadeiro “laboratório de boas práticas” para público, clubes, federações, governos e profissionais do esporte de modo geral.
Que tenhamos humildade para aprender e parcimônia para julgar o que funciona e o que não funciona em nosso ecossistema esportivo. Sem preconceitos, mas também sem o “complexo de vira-lata” identificado por Nelson Rodrigues.
Quero crer que continuaremos evoluindo no trato do esporte como uma opção de entretenimento segura e rica. E que, tal como os norte-americanos, teremos algo para orgulhosamente saudar quando formos a algum jogo.
Muito obrigado a você que acompanhou e repercutiu a coluna em 2023!
Que 2024 seja um excelente ano para o Lei em Campo e para todos nós!
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