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O novo acordo coletivo de trabalho da NBA

Após muitas especulações e espera, finalmente foi divulgada, no último dia 28 de junho, a íntegra do novo Collective Bargaining Agreement (CBA), o acordo coletivo de trabalho firmado entre a NBA e a associação dos atletas, a NBPA (National Basketball Players Association).

Às vésperas do início da free agency, período no qual as franquias podem negociar contratos com os jogadores que estão livres no mercado, era fundamental que esse documento viesse a público. Até então, haviam sido divulgados apenas os pontos mais controversos dele.

Daqui em diante, portanto, poderemos tratar de forma específica acerca das questões que, do ponto de vista normativo, ditarão os rumos da NBA nas próximas temporadas (o prazo do novo acordo é de 7 anos e ele produz efeitos a partir de 1º de julho, havendo a possibilidade de antecipação do encerramento da vigência após o 6º ano).

Tendo em vista que o novo CBA possui espantosas 676 páginas, será impossível, naturalmente, esgotarmos todos os temas neste texto. De qualquer forma, com a ajuda do colega e colunista convidado Ricardo Garcia Horta, vamos ao que há de mais relevante.

Destaques

Art. II. Section 11, b, (i). Possibilidade de as equipes assinarem 3 atletas two-way, aqueles que estão contratualmente aptos a atuar tanto pelos times principais quanto pelas equipes secundárias das franquias, as quais disputam a G League (liga de desenvolvimento da NBA). Anteriormente, era permitido celebrar contratos dessa natureza somente com 2 jogadores.

Trata-se de uma boa notícia para atletas como os brasileiros Gui Santos, Márcio e Yago Mateus, que disputarão a Summer League (um torneio de verão cuja principal função é permitir a observação e teste de jovens jogadores).

Caso se destaquem, Gui Santos, Márcio e Yago serão candidatos a assinar um contrato two-way com o Golden State Warriors, o Atlanta Hawks e o Chicago Bulls, respectivamente.

Art. VI. Player conduct. Possibilidade de os atletas investirem ou serem patrocinados por empresas de apostas esportivas, desde que essa participação acionária seja de até 1% e não implique poder de controle.

Destaque-se que a NBA tem a sua própria plataforma de apostas (NBABet) e que, com o novo CBA, a liga passou a ter um maior poder investigativo, traduzido na evidence sharing clause, norma que impõe o compartilhamento de informações em eventuais investigações.

Todavia, é preciso que exista uma melhor classificação dos potenciais conflitos de interesse e um entendimento mais profundo das hipóteses de quebra da integridade que esse tipo de investimento tende a propiciar.

A NFL e outras entidades esportivas mundo afora, inclusive no Brasil, vêm sofrendo com o envolvimento de atletas em condutas ilícitas relacionadas a apostas. As previsões do novo CBA, a nosso ver, ainda são insuficientes para lidar com esse sério problema, que coloca em xeque a própria essência do esporte.

Art. VI. Section 20. Eliminação da cannabis do rol de substâncias proibidas e permissão para que os atletas invistam em empresas desse segmento e/ou sejam patrocinados por elas.

Ex-atletas da NBA bastante conhecidos do grande público, como Dwyane Wade, Allen Iverson e Carmelo Anthony, estão diretamente envolvidos na indústria canábica e a tendência é que, com a regulamentação, o número de jogadores da liga que participam desse mercado cresça significativamente.

Trata-se de um caminho sem volta, já iniciado a partir da superação de certos estigmas e do cada vez mais comum uso medicinal do canabidiol (CBD) por atletas de alto rendimento.

Art. VII. Section 2, a, (4), iii. O novo CBA criou o que tem sido chamado de Soft Hard Cap.

Na NBA, o teto salarial (salary cap) válido para uma determinada temporada é o dinheiro que as equipes têm para gastar com o seu elenco de jogadores. Esse montante é definido a partir do Basketball Related Income (BRI), que pode ser entendido como o “PIB” da liga.

O BRI abrange a soma de todas as receitas auferidas pela NBA e por suas franquias. Entram nessa conta, por exemplo, vendas de ingressos, contratos de cessão dos direitos de transmissão, patrocínios e pagamentos de royalties.

Há determinados ativos, no entanto, cujas receitas entram apenas parcialmente na composição do BRI. É o caso dos naming rights e da comercialização dos camarotes das arenas (como, muitas vezes, os equipamentos esportivos em que os jogos são disputados pertencem a terceiros e impactam a comunidade local, optou-se por não incluir 100% dessas receitas na “conta”).

Historicamente, se, por um lado, cada franquia precisa gastar ao menos 90% do salary cap a cada temporada (uma forma de forçar a distribuição do dinheiro entre os atletas), as equipes que ultrapassam o teto sofrem uma penalização conhecida como luxury tax.

Trata-se de um mecanismo destinado ao controle de gastos e à manutenção do equilíbrio competitivo na NBA. O objetivo final? Garantir um produto de qualidade superior para os fãs e para os parceiros comerciais da liga.

O limiar da luxury tax é calculado antes de cada temporada, dividindo-se parte do valor projetado para o BRI pelo número total de franquias, com alguns ajustes e deduções.

O grande drama a ser enfrentado pelas equipes que gastam demais é que, com o novo CBA, foram instituídos “castigos” mais severos para as franquias que têm menos pudor em gastar.

Acompanhe conosco…

Para a temporada 2023-2024, o teto salarial será de US$ 136 milhões.

Como dissemos, as equipes podem gastar mais do que esse teto (daí a expressão Soft Cap, que podemos traduzir como “teto flexível”), mas, para isso, elas precisam utilizar as chamadas exceções (trade exceptions), concebidas originalmente para que os times tivessem maior facilidade em manter os seus plantéis por períodos mais longos.

E qual é o valor a partir do qual as franquias passam a ser punidas com a luxury tax? Na próxima temporada, esse valor será de US$ 165,2 milhões.

Assim, entre o teto de US$ 136 milhões e esses US$ 165,2 milhões, as equipes podem gastar utilizando as exceções, sendo que o dinheiro arrecadado pela NBA com o pagamento da luxury tax é repartido entre as franquias, excluída, obviamente, aquela que foi penalizada.

A novidade é que, com o novo CBA, à medida em que as equipes vão excedendo a luxury tax, elas se aproximam de outros limites que determinarão punições não apenas financeiras, mas também esportivas.

O novo acordo coletivo de trabalho instituiu uma “barreira” adicional à luxury tax, intitulada first apron e definida em US$ 172,3 milhões, a partir da qual a franquia infratora ficará proibida de:

– contratar jogadores utilizando a chamada sign-and-trade (quando um atleta assina um contrato com uma equipe para, logo em seguida, ser trocado para outra);

– contratar jogadores utilizando uma exceção intitulada bi-annual exception; e

– contratar jogadores dispensados durante a temporada regular cujo salário seja superior à non-taxpayer mid-level exception (a franquia que ultrapassar o first apron não conseguirá contratar nenhum jogador que esteja livre no mercado e que receba um salário anual de US$ 12,2 milhões ou mais).

Além disso, as equipes que extrapolarem essa primeira “barreira” terão dificuldade para obter a equivalência salarial necessária para a realização de trocas. Na NBA, para trocar um jogador por outro, os salários dos atletas trocados têm de ser equivalentes, havendo uma margem de tolerância que será de apenas 10% para as franquias infratoras do first apron, sendo de 25% para as demais equipes.

Mas não para por aí! O novo CBA instituiu, ainda, uma segunda “barreira” adicional à luxury tax, o second apron, que é acionada quando uma equipe gasta mais do que US$ 182,5 milhões em salários de atletas.

Somadas às restrições impostas pelo first apron, as franquias que atingirem esse segundo patamar de “gastança” ficarão também impedidas de contratar jogadores utilizando a taxpayer mid-level exception (válida para jogadores com salário anual de US$ 5 milhões).

E, a partir do final da temporada 2023-24, mais punições serão adicionadas em virtude do second apron, com as equipes infratoras sendo proibidas de: (i) gerar uma trade exception a partir do somatório dos salários de vários jogadores; (ii) incluir dinheiro em uma operação para viabilizar trocas; (iii) utilizar uma trade exception gerada em ano anterior; (iv) usar em negociações, durante 7 anos, escolhas de primeira rodada no Draft.

O fato é que essas penalidades são muito mais rigorosas do que no acordo coletivo de trabalho anterior, podendo levar a um “engessamento” do elenco que seria desastroso para as pretensões de franquias mais ambiciosas.

Equipes como o Golden State Warriors, o Los Angeles Clippers e o Los Angeles Lakers, acostumadas a “estourar” o teto salarial nos últimos anos, deverão atuar com mais austeridade, sob pena de perderem competitividade no médio e no longo prazo.

Art. VII. Section 7, (3), (i). No novo CBA, as restrições às extensões de contratos de veteranos foram abrandadas. Enquanto a maioria desses contratos estava anteriormente limitada, no primeiro ano de extensão, a 120% do salário anterior do atleta, o limite agora será de 140%.

Art. VII. Section 8. (3), (f), i. Atletas recém-negociados só poderão ser envolvidos em nova transação após 6 meses, uma medida protetiva que se opõe, nitidamente, a uma outra previsão do novo acordo coletivo de trabalho, a desnecessidade de anuência do atleta para ser trocado durante o primeiro ano de vigência de seu contrato ou extensão.

Art. XX, Section 4. Como havia sido divulgado, a NBA confirmou a realização de um torneio de 2 meses que será disputado durante a temporada regular, com jogos valendo tanto para a classificação normal, que qualifica as equipes para os playoffs, quanto para essa nova competição. O propósito, evidentemente, é atrair a atenção do público durante o período mais “morno” do calendário.

Atletas das equipes classificadas para a fase final do torneio receberão premiações (US$ 500 mil para os ganhadores, US$ 200 mil para os segundos colocados, US$ 100 mil para cada semifinalista e US$ 50 mil para os eliminados nas quartas de final).

Art. XXIX. Section 6, a. Como também já havia sido divulgado e em resposta ao fenômeno do load management, os atletas deverão atuar em ao menos 65 partidas a fim de que possam estar elegíveis para os prêmios individuais concedidos pela NBA (algo que impacta o valor dos salários).

Art. XXIX. Ficou estabelecida, com limitações, a possibilidade de os atletas serem proprietários minoritários de franquias da própria NBA e da WNBA.

Esse direito, algo inédito no contexto das ligas esportivas norte-americanas, será exercido por meio de um fundo de private equity gerido pela NBPA, que, adicionalmente, poderá investir em fundos privados aptos a adquirir participações acionárias em franquias da NBA (investimento limitado a 5% do capital agregado do fundo de interesse, conforme Section 12, b, i).

Art. X. Section 1, b, i. Houve a manutenção da one and done rule, a proibição de atletas vindos diretamente do high school de se inscreverem para o Draft

Por outro lado, a liga permite que atletas oriundos do high school disputem a G League, o que os torna elegíveis para o Draft após o término da temporada (foi o que aconteceu com Scoot Henderson, a terceira escolha do mais recente processo de recrutamento da NBA).

Nesse cenário, a liga profissional Overtime Elite, criada em 2021, passou a ser uma alternativa atraente para que jovens atletas cheguem à NBA, como ocorreu com os irmãos gêmeos Amen e Ausar Thompson, 4ª e 5ª escolhas no último Draft).

Até que ponto essas novas opções serão um desestímulo para os atletas universitários do basquete norte-americano? Só o tempo dirá.

Voltaremos a abordar o novo CBA à medida em que casos concretos forem surgindo e sendo submetidos às (complexas) regras do documento.

A expectativa, agora, passa a ser pela negociação dos direitos de transmissão da NBA com os parceiros de mídia, algo que, aliás, irá afetar sensivelmente o salary cap em um futuro breve.

Cenas dos próximos capítulos.

Crédito imagem: NBPA

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Ricardo Garcia Horta é graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestrando em Direito Desportivo pela mesma instituição e mentorado FUTJUR na área de Transferências e Contratos no futebol.

Daniel Alexandre Portilho Jardim é graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Master of Laws (LL.M) em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/MG, especialista em Negócios no Esporte e Direito Desportivo e professor do MBA em Negócios no Esporte e Direito Desportivo do Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN), onde ministra a disciplina “Modelo de negócios das ligas esportivas norte-americanas”. É também sócio-fundador do Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria (www.lageportilhojardim.com.br) e editor-chefe do blog Negócios no Esporte (www.negociosnoesporte.com).

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